a gente tinha medo até da sombra
é lugar comum, mas tão a dizer a verdade
é lugar comum, mas tão a dizer a verdade
a gente atravessava a fronteira e receava pelo livro que trazia lá de fora
- esconde-o na roupa que trouxeres vestida - aconselhavam
a gente para tomar um emprego, para matricular-se num curso, jurava que era a favor da "situação" e que não professava ideologias desfavoráveis, e assinava pela sua honra
a gente nem beijar-se podia no jardim da Estrela ou outro espaço publico deste pais onde as criaditas trazidas, tenrinhas, da aldeia eram "comidas" pelos homens da casa como se fosse natural...
e era...
e se não eram tratadas desse modo, eram, sempre, semi escravas
(e o semi é apenas redundância)
escravas dum lar onde faziam de tudo menos ter um dia de descanso e um quarto que fosse apenas seu
e...um ordenado...
dizem, eternecidas, as que ainda vivem, que os "meninos" e "meninas" de quem tomaram conta, ainda quase da mesma idade, as tratam com dedicação e as amam
pudera!! era só o que mais faltava, depois de tudo...
criadas eram o despojo deste país onde as senhoras as discutiam como coisa de que necessitavam
como se discutissem um detergente ou um electrodoméstico, que ao tempo era só vassoura, ou vasculho para os cantos mais inacessíveis, e sabão macaco ou sabão azul e branco e, claro, os braços da mais novita de um rancho de mais de oito a penarem numa serra das Beiras ou em outra deste país de muitos filhos e muitos pobres, umas sopas de cavalo cansado a acalentarem fomes, e os senhores da cidade, por uma imensa caridade que na missa o senhor padre enaltecia, iam buscá-las para servirem, que era como as mães agradeciam: "a minha Júlia, felizmente, foi servir para Lisboa"
mas podia ser no Porto ou em Tavira...
eram outros tempos, sim senhora!
mas é bom que ponderemos que isto de ter Liberdade não é coisa que não possa ser perdida e, sem ela, porra! sem ela nada do que existe é como se nos apresenta e muitos de quem cá anda julgam que é eterna e de direito e nem sabendo como é não a tendo...
dizer que a gente tinha medo da sombra é metáfora do dizer que tinhamos medo de pensar ainda que nem fosse alto
e nem todo o teatro
e nem todo o livro
se nem a obra total do nosso Camões!!
façamos a fineza de perceber que era diferente, sim, no tempo da outra senhora em que Salazar, por ele mesmo ou interpostas pessoas a ler a mesma cartilha, geria este país que, por isso mesmo, nem tinha as cores que tem agora nos fatos e nas casas e sobretudo nos olhos das pessoas...
fazer um museu só se fosse para contar destas e de muitas, mas muitas outras coisas... contar a vida real que decorria por estar no poder um Salazar, rapaz douto e beato e casto que
Santa Comba Dão viu nascer e que, com a sua camarilha, trouxe este país à beira da penúria (pobre, tão pobre que era o nosso povo!!) mas arrecadou barras de ouro
tanto ouro que, dizem, havia no "regime"!!
abençoados os que o derreteram na fogueira do desvario de um país finalmente a perceber que podia viver sem criaditas e sem essa gente aperaltada
infelizmente a coisa é mais complicada
essa gente aperaltada resiste como se fosse o diabo
e a pobreza permanece apenas disfarçada nas lojas dos chinesses e nas zaras e num ou outro bairro camarário periférico onde as meninas que já não vêm das aldeias andarão a fazer horas em casa de senhoras e serão caixas numa grande superfície nem sequer pelo ordenado mínimo
e muitas farão broches em carros topo de gama ou nem por isso, no Parque ou por aí em qualquer hotel ou boite deste país a parecer tratar a Liberdade como se fosse um tapete de sala: espezinhado e batido...
mas ouro de Salazar é que não há
e nem medo de pensar alto
sei lá
sei lá...
escravas dum lar onde faziam de tudo menos ter um dia de descanso e um quarto que fosse apenas seu
e...um ordenado...
dizem, eternecidas, as que ainda vivem, que os "meninos" e "meninas" de quem tomaram conta, ainda quase da mesma idade, as tratam com dedicação e as amam
pudera!! era só o que mais faltava, depois de tudo...
criadas eram o despojo deste país onde as senhoras as discutiam como coisa de que necessitavam
como se discutissem um detergente ou um electrodoméstico, que ao tempo era só vassoura, ou vasculho para os cantos mais inacessíveis, e sabão macaco ou sabão azul e branco e, claro, os braços da mais novita de um rancho de mais de oito a penarem numa serra das Beiras ou em outra deste país de muitos filhos e muitos pobres, umas sopas de cavalo cansado a acalentarem fomes, e os senhores da cidade, por uma imensa caridade que na missa o senhor padre enaltecia, iam buscá-las para servirem, que era como as mães agradeciam: "a minha Júlia, felizmente, foi servir para Lisboa"
mas podia ser no Porto ou em Tavira...
eram outros tempos, sim senhora!
mas é bom que ponderemos que isto de ter Liberdade não é coisa que não possa ser perdida e, sem ela, porra! sem ela nada do que existe é como se nos apresenta e muitos de quem cá anda julgam que é eterna e de direito e nem sabendo como é não a tendo...
dizer que a gente tinha medo da sombra é metáfora do dizer que tinhamos medo de pensar ainda que nem fosse alto
e nem todo o teatro
e nem todo o livro
se nem a obra total do nosso Camões!!
façamos a fineza de perceber que era diferente, sim, no tempo da outra senhora em que Salazar, por ele mesmo ou interpostas pessoas a ler a mesma cartilha, geria este país que, por isso mesmo, nem tinha as cores que tem agora nos fatos e nas casas e sobretudo nos olhos das pessoas...
fazer um museu só se fosse para contar destas e de muitas, mas muitas outras coisas... contar a vida real que decorria por estar no poder um Salazar, rapaz douto e beato e casto que
Santa Comba Dão viu nascer e que, com a sua camarilha, trouxe este país à beira da penúria (pobre, tão pobre que era o nosso povo!!) mas arrecadou barras de ouro
tanto ouro que, dizem, havia no "regime"!!
abençoados os que o derreteram na fogueira do desvario de um país finalmente a perceber que podia viver sem criaditas e sem essa gente aperaltada
infelizmente a coisa é mais complicada
essa gente aperaltada resiste como se fosse o diabo
e a pobreza permanece apenas disfarçada nas lojas dos chinesses e nas zaras e num ou outro bairro camarário periférico onde as meninas que já não vêm das aldeias andarão a fazer horas em casa de senhoras e serão caixas numa grande superfície nem sequer pelo ordenado mínimo
e muitas farão broches em carros topo de gama ou nem por isso, no Parque ou por aí em qualquer hotel ou boite deste país a parecer tratar a Liberdade como se fosse um tapete de sala: espezinhado e batido...
mas ouro de Salazar é que não há
e nem medo de pensar alto
sei lá
sei lá...
1 comentário:
Gosto muito deste texto porque +e a verdade tal e qual, crua e amarga do antigamente!
mas...ainda hoje há pessoal do "jet7" que tem as suas "criadinhas".
beijos
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