Graciete Mendes, modista de senhora e fato de homem.
Está assim escrito na porta, e por baixo, colada na madeira, uma folha arrancada em revista de moda.
No espaço exíguo que habitualmente é sala de provas e de costura, a modista parece que vai, de um momento ao outro, erguer-se do féretro e ditar ordens, indagar do cumprimento de tarefas.
Graciete Mendes morta recente de doença de peito.
Num canto, a máquina de costura, tão sem vida quanto a mestra, está tapada com uma coberta de florinhas cor de rosa.
Em volta da urna, velam-na meia dúzia de mulheres sentadas nas cadeirinhas de tabúa das aprendizes.
Uma delas é Benvinda.
Graciete nunca lhe disse: a partir de hoje és a contramestra. Mas ela era: cortava e até fazia provas. E no entanto, Graciete nunca lhe deu para as mãos um choleio. Nunca lhe pediu que o fizesse numa seda, um brocado, uma fazenda cara. Disse-lhe sempre: tens um cholear incerto, Benvinda. Que Graciete, além do choleado, lhe depreciava quase tudo com excepção de caseados e cerzidos. Nisso, Graciete sempre a reconheceu.
Nisso, e no casamento que Benvinda fizera mal se iniciara como aprendiza. Graciete Mendes, que namorara um e outro, e ficara para tia.
– Foi até amante do Elias da farmácia. Podia ter casado...
Benvinda a falar consigo mesma, se bem que Alzira a escute entre choros e ranhos. A aprendiza vesga que viera há poucos dias. A mãe rogando que lhe aceitassem a filha. Quanto lhe pagaria Graciete?! dois tostões?! Benvinda a olhar a rapariguinha apertada num desengraçado vestidinho de chita.
– Que Deus te receba no seu seio, e te dê o eterno descanso – balbucia Benvinda, e inicia o desfiar de um Padre Nosso.
imagem - Costureiras de Fernando Botero
1 comentário:
Adoro estes pequenos contos da vida.
Beijos
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