terça-feira, 10 de janeiro de 2012

a mestra




Graciete Mendes, modista de senhora e fato de homem.
Está assim escrito na porta, e por baixo, colada na madeira, uma folha arrancada em revista de moda.
No espaço exíguo que habitualmente é sala de provas e de costura, a modista parece que vai, de um momento ao outro, erguer-se do féretro e ditar ordens, indagar do cumprimento de tarefas. 
Graciete Mendes morta recente de doença de peito.
Num canto, a máquina de costura, tão sem vida quanto a mestra, está tapada com uma coberta de florinhas cor de rosa.
Em volta da urna, velam-na meia dúzia de mulheres sentadas nas cadeirinhas de tabúa das aprendizes. 
Uma delas é Benvinda.
Graciete nunca lhe disse: a partir de hoje és a contramestra. Mas ela era: cortava e até fazia provas. E no entanto, Graciete nunca lhe deu para as mãos um choleio. Nunca lhe pediu que o fizesse numa seda, um brocado, uma fazenda cara. Disse-lhe sempre: tens um cholear incerto, Benvinda. Que Graciete, além do choleado, lhe depreciava quase tudo com excepção de caseados e cerzidos. Nisso, Graciete sempre a reconheceu.
Nisso, e no casamento que Benvinda fizera mal se iniciara como aprendiza. Graciete Mendes, que namorara um e outro, e ficara para tia.
– Foi até amante do Elias da farmácia. Podia ter casado... 
Benvinda a falar consigo mesma, se bem que Alzira a escute entre choros e ranhos. A aprendiza vesga que viera há poucos dias. A mãe rogando que lhe aceitassem a filha. Quanto lhe pagaria Graciete?! dois tostões?! Benvinda a olhar a rapariguinha apertada num desengraçado vestidinho de chita.
– Que Deus te receba no seu seio, e te dê o eterno descanso – balbucia Benvinda, e inicia o desfiar de um Padre Nosso. 


imagem - Costureiras  de Fernando Botero 

1 comentário:

wind disse...

Adoro estes pequenos contos da vida.
Beijos

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein