Lá fora, o sol brilhava. Intenso.
Um reflexo de cegueira no branco de cal.
Despidos de luz que reenviassem, os olhos da tua irmã mais velha e os olhos da tua irmã mais nova. Dois pares de olhos a olharem-te de um alto sem sopé nem base. Um alto todo imaginado, que elas tinham descido a escadaria degrau a degrau, quando chegaste. E no entanto, continuavam vagando acima do sítio onde as vossas vozes aguardaram sempre, que se fizesse um silêncio antes que cada uma falasse. Frases curtas. Palavras isoladas com poder de verbo. Nenhum som mais alto do que o outro. E só tu a ouvir o grito amalgamando-se com o ar da sala.
Um grito por cima das vossas vozes, enquanto decidiam o que fazer ao açucareiro, às facas com cabo de osso, e ao baixo relevo trazido nem sabias de onde. Um valor enorme o daquele tinteiro – cristal debruado a prata.
Estavas certa de ouvir nitidamente a voz dela.
A sala atafulhada, e mais o sol que dava do lado do páteo. A casa em que tinham crescido reduzida a isto: um para mim, outro para ti. Aquele ali vende-se e divide-se o saldo.
As vossas vozes comedidas. Grito, apenas o que tu ouvias ressoar no canapé de palhinha e nos reposteiros – seda pura, trazida do oriente.
– Podes ficar com ele – disse a tua irmã mais velha.
– Toma, leva – dizia-te, a segurar um vasinho. Uma marca castanha, restos de um pé de salsa, desfeava a porcelana mal lavada.
– Ofereço-te – insistia.
E era também a tua irmã mais nova.
– Toma, fica com ele – dizia, a segurar um gato de loiça a que faltava a pedrinha de um olho.
O grito era a voz dela, não te restavam dúvidas.
5 comentários:
«uma marca castanha»
seria lama, seria chocolate?
mas não deixam marca assim?!
salsa não era certamente
era caca, cá pr'a mim.
parvo
Partilhas são sempre coisas horríveis.
Beijos
A vida é uma partilha.
tocou-me
nem sei o que dizer...
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