sábado, 12 de novembro de 2011

ao chá



Sentou-se como se ainda fosse. 
E já não era. 
O chá soube-lhe demasiado à erva de que era feito, ardendo a água como se fosse isso apenas: água fervente. 
E como lhe pesava a chávena de uma loiça cara em azul debruado a oiro. 
Maria Inácia entrelaçara o bojo com a mão inteira. A mão dela com os dedos nodosos de uma artrite antiga. 
Sentia escaldarem-lhe cada um dos veios. Até nos ossos ela sentia o quente. Apertou a loiça mais um pouco. Aquele calor a trespassá-la braço acima, e a encolherem-se num desassossego os músculos de todo o corpo. Um prazer estranho, pensou ela, a chávena muito apertada na mão esquerda. E o fio de lágrimas que lhe marejou os olhos  seria do imenso esforço. 
Bebeu um minúsculo gole e sentiu aquele sabor estranho.
Eram seis sentados em redor da mesa. Ninguém bebera o chá fervente antes que ela tivesse bebido aquele golinho. Foi só quando se ouviu o tinir dos talheres. O bolo de nozes a ser partido em fatias estreitinhas, o açucareiro a passar de um a outro. E o mel. E a casquinha de limão. E o ruído, raro, de algum sorver mais descuidado.
Maria Inácia serviu-se de manteiga numa torradinha de pão de centeio. 
Amparara com a outra, a mão que segurava a faiança. Maria Ináca no esforço de colocar a chávena sobre o pires. As mãos dela cada vez mais inseguras do que fizesse uma e fizesse a parceira, tinham aprendido a entreajuda mesmo nos pequenos gestos em que nem deviam, que  mais não fosse por uma questão de etiqueta à mesa.
Dentro em breve, seria o costume: lembra-se, tia? lembra-se mãezinha? sabe como foi avó, sabe? Conte-nos, dona Inácinha - era a fala de uma amiga que estava por lá como se fosse da família. E Maria Inácia se contasse seriam recontos. Ou inventaria. E sorriu-se de novo, os olhos perpassando cada um deles. 
Quase distraída, foi erguendo a chávena. Subiu aquela loiça muito azul até à altura do peito. E mais um pouco. A mão a segurar a asa, dois dedos apenas, e ela muito hirta, muito direita na cadeira.
Maria Inácia muito contente de ter conseguido um gesto como antigamente. 



2 comentários:

wind disse...

Fabuloso!
Beijos

Jorge Pinheiro disse...

Um chá gordo!

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein