O Expresso da Linha questiona-se "está tudo maluco ou é só ele?" o que comentei deste modo:
"é assim como que um estado anunciado: está-lhe na massa do sangue, pula-lhe e de vez em quando salta-lhe... não deve bater muito bem, não... vá que lhe deu para levar em frente a revolução dos cravos...depois disso mais valia que estivesse calado...e ainda lhe dão caixa sem comentários..."
Mas fiquei matutando.
E fui em busca de mais para reflexão.
E encontrei uma crónica no semanário Sol.
Estarão na base desse texto, assinado por Luís Osório, outras declarações de Otelo, mas é tão a propósito que o transcrevo na íntegra.
Aqui fica.
Herdou o nome do avô – Otelo Augusto – e pediu dinheiro ao pai para fazer um curso de representação: desejava cumprir o nome e ser um verdadeiro Otelo.
Nas últimas semanas o palco voltou a ser ocupado por Otelo Saraiva de Carvalho. Todos os anos, umas vezes mais e outras menos, é procurado pelas perguntas de sempre. Desta vez, empurrado por um impulso que o leva a fazer e a dizer o que não se espera, quase afirmou sentir saudades de Salazar e confessou-se angustiado e arrependido por ter feito o 25 de Abril.
Conheço Otelo de poucos encontros. Um na sua casa de Oeiras, outro no Rádio Clube quando me quis convencer a contratar Os Parodiantes de Lisboa – de quem era amigo e admirador – e vários pequenos diálogos que, sem assunto, fomos tendo.
Há umas semanas voltei a lembrar-me de histórias que me contou. A culpa foi de João Miranda, chefe de gabinete de Jardim Gonçalves, por ter recordado um episódio com uma cozinheira da sua família. Chamava-se Delfina – e certa vez, candidamente, perguntou à dona da casa «se o senhor Santos Costa ainda era general ou se já era Salazar».
Ao imaginar a legítima dúvida de Delfina – dúvida que, aliás, não era um exclusivo da cozinheira (para muitos Salazar era um posto e não um nome) –, voltei a Otelo e lembrei-me do amor que ele me confessou ter pelo nome herdado do avô, Otelo Augusto, alentejano de Moura que se apaixonou pelo teatro.
O avô morreu cedo, desamparando o filho. E este, anos mais tarde, ouviria o jovem Otelo pedir-lhe dinheiro para entrar num curso do Actors Studio, porque desejava cumprir o nome e ser um verdadeiro Otelo!
Por isso, sinceramente, acho bizarras as críticas às suas palavras. Se Otelo fosse controlável, se fosse calculista no que pensa e diz, se fosse consequente e não tivesse a mania das grandezas, nunca teria liderado a revolução que derrubou o Estado Novo.
Disse-lhe isto há uns anos e ele não gostou. Tinha-lhe feito uma pergunta sobre a democracia directa e ele, entusiasmado, fez um paralelismo com a democracia de Péricles, com a experiência da Comuna de Paris e com os conselhos de operários e camponeses no início da revolução russa.
Nada havia a comentar: a partir daquele momento percebi que deixara há muito de ser tenente-coronel, coronel ou general, e já concretizara o sonho de ser Otelo.
Conto-lhe três episódios. Numa célebre viagem a Moçambique, pouco tempo após o 25 de Abril, Spínola pediu a Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros desse Governo provisório, que fosse a Moçambique negociar com Samora Machel um acordo de cessar-fogo com a Frelimo. Só que, entre as sombras, Spínola chamou Otelo a Belém e ordenou-lhe que vigiasse Soares, visto não confiar nele.
Otelo, então comandante do Copcon, aproveitou a viagem para conhecer Mário Soares e virar do avesso toda a estratégia do Presidente. Em plenas negociações, Soares seguiu o guião pensado por Spínola: negociar um cessar-fogo imediato e, implicitamente, criar condições para um regime pluripartidário.
Foi então que Otelo, perante o espanto geral, pediu a palavra e disse: «Eu estou aqui como representante do MFA e a nossa filosofia não passa por isto. De facto, quem tem direito ao exercício do poder num Moçambique livre e independente é a Frelimo. Se eu estivesse do vosso lado, faria exactamente a mesma coisa. Realmente não faz sentido o cessar-fogo».
Soares interrompeu a cimeira e levou Otelo para um canto. Mas, antes que pudesse abrir a boca, o militar avisou-o de que falava em nome do MFA. Mário Soares apenas lhe perguntou se estava preparado para dizer a Spínola o que estava a dizer-lhe a ele. Otelo disse que sim – e, a partir daquele momento, nunca mais os protagonistas conseguiram encarar-se.
O curioso é que Otelo, quando me confirmou os acontecimentos, colocou maior ênfase no espanto que sentiu ao ver Soares, no aeroporto em Nairobi, fazer do casaco almofada, tirar os sapatos e deitar-se nos bancos. Disse para consigo que não fazia sentido um ministro ‘espojar-se’ daquela forma.
O segundo episódio foi anterior: passa-se quando tinha os seus 17 anos. Desejava ardentemente ser actor, já o sabemos. O pai demoveu-o – e, ainda antes da entrada na Academia Militar, obrigou-o a pertencer à Milícia, grupo ligado à Mocidade Portuguesa.
Foi o único a ser reprovado – tendo ficado escrito no relatório que o aluno não tinha a mínima vocação para a vida militar. Muito mais tarde, depois do 25 de Abril, Otelo voltaria a encontrar o oficial que tal profetizara. Chamava-se Melo Egídio e, por ironia, viria a ser seu subordinado – e, depois, chefe de Estado-Maior das Forças Armadas.
O terceiro episódio aconteceu um mês antes do 25 de Abril. O país assistira, a 16 de Março, a uma tentativa de golpe de Estado e vários militares tinham sido presos. Otelo temeu que a companhia das Caldas – que avançara solidária com Spínola, por este ter sido exonerado do cargo que ocupava – tivesse abortado a operação que preparava há tanto tempo.
Era fundamental voltar a falar com os operacionais, moralizar as tropas e ligar as pontas soltas.
Foi exactamente isto que disse a Melo Antunes. Num café na Avenida de Roma, Otelo reafirmou que estava preparado para liderar o processo, garantiu que era de confiança e que tinha tudo na cabeça.
Melo Antunes ficou de escrever o programa político – e marcaram uma derradeira reunião para a Quinta da Figueirinha, perto de Oeiras. Aí ficou definido que o dia escolhido teria de ser antes do 1.º de Maio, para aproveitar a obsessão da PIDE com os comunistas. E assim foi.
Não fiquei surpreendido com as suas declarações, como poderia? Otelo é hoje exactamente o que sempre foi – e, talvez por isso, um golpe de Estado numa madrugada em final de Abril resultou.
Excessivo, brutal, terno, incoerente e megalómano, foi sempre, para o bem e para o mal, um actor em representação. Não o actor que julga representar uma mentira, apenas o homem que se julga providencial e escolhido por Deus.
E de alguma forma o foi, não tenho dúvidas. Também por isso, não entende o porquê da morte da sua filha, uma menina de sete anos que, em menos de 24 horas, se despediu nos seus braços no Hospital Militar. Meningite, disseram-lhe. Também por isso não entende – mas, quando lá volta, quando regressa à brutal imagem, Otelo não é mais nem menos do que outro qualquer homem nas suas circunstâncias. Humano, demasiado humano."
3 comentários:
Não simpatizo mesmo nada com esta personagem.
Todos nós temos muitas facetas e muitas "pancas". Alguns têm demais. Este homem já simbolizou muita coisa, quase sempre negativa. Hoje simboliza a idiotice. Uma espécie de bobo da corte. A caxa que lhe dei é essa.
Odeio Otelo!
Tinha 11 anos e Vinha de uma casa de campo que tinha.
Quando passava em Loures, à conta do COPCON, todos os carros paravam e eram revistos, até as pessoas.
Inclusivé eu!
Caramba, eu tinha 11 anos!
Além disso ele foi um terrorista!
Beijos
Enviar um comentário