sexta-feira, 19 de março de 2010

efeméride

    


    Maria Inês tem uma cabra e duas galinhas. É a criação que ela mantém há muito ano, tantos que perdeu o conto. Se morre a cabra, ela compra um bode, e vai rodando. Reveza também a criação de bico, mas nunca teve um galo, que Maria Inês não faz criação, pelo contrário.
    No baraço em que prende a cabra, Maria Inês, em cada ano, estrafega uma galinha.
    É na data em que comemora as suas bodas.
    Dirá este ano: o meu pai casou-me com o Fernando faz hoje dezoito anos, e irá apertando o baraço no pescoço do bicho.
    Se a conversarem, se algum passante demorar a escutá-la, ela dirá que o marido emigrou, faz anos, por terras que ela não sabe onde e nunca mais voltou nem disse dele a deixá-la mal parida de um filho.
    O que Maria Inês não contará, a quem a escute, é que o dia onze de cada mês de Fevereiro, ela não tem por certo que seja a data do seu casamento: que ela bem sabe que, quando subiu ao altar pelo braço do pai, já rompiam os dias mais compridos e despontavam papoilas pelos campos. Seria Abril, mas Maria Inês, num dia em que o luto de vivo mais lhe tenha pesado, ou porque o filho lhe berrasse mais que a cabra, ou por razão outra que não sabe, nem saber disso vem ao conto, tomou para data de efeméride o dia onze do segundo mês do ano: a data em que comemoraria as suas bodas com Fernando.
     E é nesse dia que ela, sem deixar que um só pingo de sangue manche a terra do quintal que lhe deixou o pai, enforca o animal de pena que trouxe por ali pastando expressamente para tal.
    Este ano, será uma pedrês de crista vermelha, reluzente de gorda.
     A ave há-de estrebuchar ao aperto da corda, empinará o papo num derradeiro cacarejo e, a estremecer o corpo como se lhe tivesse passado uma aragem, há-de baloiçar ao ar as duas patas antes de ser apenas um monte de penas, branco e preto, sossegado.    
    Há-de ficar-lhe, muito vermelho como só nas galinhas e coelhos, um olho aberto como que espreitando...





2 comentários:

wind disse...

Escritora, descreveste tão bem a morte do animal, que me fez impressão:)
Beijos

francisco disse...

dá ca bi de la?

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein