Maria Inês tem uma cabra e duas galinhas. É a criação que ela mantém há muito ano, tantos que perdeu o conto. Se morre a cabra, ela compra um bode, e vai rodando. Reveza também a criação de bico, mas nunca teve um galo, que Maria Inês não faz criação, pelo contrário.
No baraço em que prende a cabra, Maria Inês, em cada ano, estrafega uma galinha.
É na data em que comemora as suas bodas.
Dirá este ano: o meu pai casou-me com o Fernando faz hoje dezoito anos, e irá apertando o baraço no pescoço do bicho.
Dirá este ano: o meu pai casou-me com o Fernando faz hoje dezoito anos, e irá apertando o baraço no pescoço do bicho.
Se a conversarem, se algum passante demorar a escutá-la, ela dirá que o marido emigrou, faz anos, por terras que ela não sabe onde e nunca mais voltou nem disse dele a deixá-la mal parida de um filho.
O que Maria Inês não contará, a quem a escute, é que o dia onze de cada mês de Fevereiro, ela não tem por certo que seja a data do seu casamento: que ela bem sabe que, quando subiu ao altar pelo braço do pai, já rompiam os dias mais compridos e despontavam papoilas pelos campos. Seria Abril, mas Maria Inês, num dia em que o luto de vivo mais lhe tenha pesado, ou porque o filho lhe berrasse mais que a cabra, ou por razão outra que não sabe, nem saber disso vem ao conto, tomou para data de efeméride o dia onze do segundo mês do ano: a data em que comemoraria as suas bodas com Fernando.
E é nesse dia que ela, sem deixar que um só pingo de sangue manche a terra do quintal que lhe deixou o pai, enforca o animal de pena que trouxe por ali pastando expressamente para tal.
Este ano, será uma pedrês de crista vermelha, reluzente de gorda.
A ave há-de estrebuchar ao aperto da corda, empinará o papo num derradeiro cacarejo e, a estremecer o corpo como se lhe tivesse passado uma aragem, há-de baloiçar ao ar as duas patas antes de ser apenas um monte de penas, branco e preto, sossegado.
Há-de ficar-lhe, muito vermelho como só nas galinhas e coelhos, um olho aberto como que espreitando...
Há-de ficar-lhe, muito vermelho como só nas galinhas e coelhos, um olho aberto como que espreitando...
2 comentários:
Escritora, descreveste tão bem a morte do animal, que me fez impressão:)
Beijos
dá ca bi de la?
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