Encontraram-na caída na tijoleira.
Estendida na cerâmica baça pelo uso, escolha feita quando eram jovens e amantes. Agora, ninguém que a visse, a mão esquerda no bordo da banheira e a direita enclavinhada na toalha cor-de-rosa com riscas em tom mais escuro.
Terá ido urinar e tropeçou no tapete. Ou terá ido ver-se no espelho. Talvez tenha ido buscar água para regar a begónia, ou em demanda de alívio de uma dor conhecida feita mais aguda. Terá querido dizer socorro. Terá querido alguém que a acudisse. Ou nem percebeu que fosse senão um acidente igual a tantos outros.
Mas ficaram-lhe os lábios apertados, indício de que terá sentido dor ou medo. E ficou-lhe a mão direita a torcer as riscas da toalha, numa tensão de tendões e nervos.
Ela que dizia: eu não creio, terá orado: Senhor, nas tuas mãos me entrego. E, só então, os olhos se lhe enevoaram e sentiu quebrantar-se o corpo.
Terá, num arrependimento por se ter desistido, apertado o turco rosa como se ainda pudesse inverter o rumo.
Não sabemos como terá sido.
Não sabemos como terá sido.
E nem podemos dizer que não ouviu o veredicto de quem lhe calcou, sob dois dedos, aquela artéria no pescoço.
publicado na revista Minguante no seu FIM
5 comentários:
Foi então um FIM definitivo. Isto é que é um belo naco de prosa.
Gostei de ler este fim. Beijos.
Escritora, e que excelente fim.
Beijos
Dois dedos na veia é quanto basta para despedida.
Triste FIM mas bem descrito. Gostei de ler.
Um abraço.
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