ele a resvalar-me dos dedos, a escorregar devagarinho; os cabelos, que os tinha grisalhos apenas um pouquinho, a afagar-me os joelhos dobrados de estar ali sentada, junto a ele; descaiu-lhe um braço, depois o corpo inteiro; e eu a amparar, a segurar um ombro, o dorso emagrecido; e eu nem um socorro, nem um grito, nem o chamar António, pronunciar-lhe o nome; eu silenciada como se fosse esta uma sua vontade: jazer-se ele na terra; a terra que ele amava: sempre o chapéu de palha a proteger-lhe o rosto, de roda de alfaces e de couves; tão encovado que ele tinha o rosto que fora bochechudo: ele era farto de carnes que vestia de trajes largos e de cores bem claras; e eu amparando: que se descesse ele dali, que fugisse; a terra ficara esburacada no canto junto à macieira; ele dissera “quando voltar planto esse pé de cidreira”; mas ele ainda não voltara e a terra enchera-se de água no Inverno e na Primavera; eu segurando para que ele olhasse o azul da minha camisola como se fora o céu de lá de fora, um céu de Junho; vestira-a num acaso, “venha depressa” foi o que disseram, e eu meti pelo pescoço aquela que era de um azul de céu; e a coxa dele, despida de pijama, tão branca e magra, e o verde do lençol pendendo sob o corpo como se fora o verde de uma relva; e eu debruçada nele, imensamente perto, a desejar-lhe um bafo que seria fraco, muito lento e arfante, como vento que soprasse em greta de porta velha de monte abandonado; e o vento que abrandou: parou o vento de soprar-me o rosto; escondeu-se nos meus dedos o verde dos seus olhos, a cor que debruçava nos papéis, às tardes, na mesa redonda debaixo do salgueiro, junto ao lago: escrevia versos.
plantaremos o pé de cidreira no Outono
plantaremos o pé de cidreira no Outono
8 comentários:
Menina! Arrasaste-me...
Assim se escreve. Assim se sente.
Um abraço.
Transmissão de pensamento?
Bj
tocaste-me estimada amiga :-)
fundo!
beijinho...
Que se plante o pé de cidreira no Outono!
Abraço!
Escritora, uma prosa forte em emoções!
Beijos
Emudecedor. De tão intenso.
um beijo
Se comentasse, diria que me repetia nas palavras. Se comentasse, diria que me fica o cheiro das palavras (elevadas ao seu exponente...), o perfume diferente dessa erva que descreveste tão bem sentida.
Fabuloso!
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