sexta-feira, 22 de junho de 2007

receita para mágoas


Remédios para mágoas. Profundas ou dessas mais banais. Mágoas, enfim, que serem elas fundas ou superficiais é coisa de cada um e mesmo porque as referidas tendem a mudar de um estádio a outro consoante…
Enfim…
Esta conversa não vem a propósito que cada um sabe de si e, consta, algum deus sabe de eles todos.
E nem vem a propósito dizer o que entendo por mágoas, pois que há quem as chame de desgostos e quem as confunda com raivas. Ele há neste mundo de tudo.
Nisto, como em muita coisa, cada um que tome do termo o que bem precise. Por mim, apenas gostava de deixar por escrito as mezinhas que tenho aprendido por aí.
Mas ainda acrescento:
as mágoas apresentam-se de formas diversas. Há as que se espalham como tinta em mataborrão. Deixam uma mancha que desce abaixo do pescoço, espalha-se na zona dos pulmões, assesta-se sobre o coração e, nas piores alturas, investe nos intestinos podendo resvalar em diarreias. Mas não é costume. As mais das vezes, é uma insidiosa larvazinha caminhando em volta da glote, tornando o respirar mais perro e engasgando todo o mundo quando come ou bebe. Acontece, e vocês sabem, tomarem a forma de um duende brincando de abre e fecha torneiras, nos olhos da gente.
Dos vários modos de elas se dizerem, há um que é verdadeiro sinal de alerta : é quando parece que anda uma qualquer coisa bailando no de dentro da gente, assim como um dizer a todo o momento: "não esqueças! olha o que vai acontecer!". Nestes momentos, tenha certeza, se anuncia mágoa. Ainda não se instalou, anda a incomodar devagarzinho, a velhaca.

Então cá vai, assim mais ou menos em jeito de receita.

Atente: Aplique sempre sozinha e no mais profundo segredo.

Defume-as com alecrim ou outra erva. Lave-as com um sabonete de algas e, se dá, asperge-as de um perfume caro. Nada de demasias, mas coisa de químicas é precisa: mais fixadas moléculas, mais escolhidas embalagens, os frascos mais seleccionados.
Envolva-as, assim, em fragrâncias etéreas bem ao gosto delas.
De quando em quando, adoce-as de um iluminado sorriso. Um sorriso seu que arraste a boca de uma a outra face. Nada de novo, nada de importante, mas feito de modo preciso, pensado no momento exacto em que, se soltaria, irreverente, uma lágrima.
Deixe descansar assim um momento. Não mais que o tempo exacto de afastar pensares. Você sabe quais. Caso duvide, aguarde. Pode demorar neste estado um instante ou dias. Caso demore, repita a dose.
Pode entretanto devorar um doce, remédio também ele santo para o apaziguar de dores. Deve o doce ser bem açucarado, com amêndoa e abóbora chila e muitos ovos em fios, cobrindo tudo. Coma-o devagar, sugando bem, entre os dentes e a língua.
Sinta o doce enquanto aspira o perfume do pauzinho incandescente do incenso que pode substituir, com o mesmo proveito, o alecrim no defumador. Cuide que seja o incenso de rosa.

Repare: O doce como lenitivo dura pouco. Melhor seria um maço de cigarros. Mas não aconselho, por razões várias entre elas porque faz mal ao corpo. E esse, minha amiga, não o deteriore mais porque ele faz isso sem a sua ajuda.

Voltemos ao assunto.
A maioria das mágoas da gente são tais que mais valia não gastar com elas nem o tal instante, menos ainda dias e nem perfumes ou doces ou que sejam cigarros, ainda menos maços. E o mal que tudo isto faz aos pulmões e aos bolsos.
A maioria das mágoas definhava num instante, e há outras que, estou certa, não mais voltariam, se na receita pudesse introduzir um velho unguento usado por uma minha avó que viveu no Oeste: um belo par de murros assentes nos queixos. Ou, com mais proveito em algumas mágoas de índole feminina, uma bela chapada: A mão bem puxada atrás, e zás! Assentes os dedos todos naquela precisa cara!
Garanto-vos que é remédio acabado para evitar a recidiva de muitos desgostos!
Mas não meto aqui na receita. Caiu em desuso. Não se encontra no mercado.
Preferível mesmo a compra de sabonetes de algas, um perfume ou outro e colocar ervas no defumador que podem, à falta de melhor, ser paus de incenso de rosa. Ou outro, que se for de gosto de quem usa, dá igual proveito.

Aviso: a minha receita, não contempla idas a shopings nem hipermercados, sejam eles Franceses, Suecos, ou Americanos. Qualquer que seja a nacionalidade, não constam esses espaços da minha lista de conselhos. Muito pelo contrário: fuja deles! Que me perdoem algum tipo de mágoas que aí buscam alívio.

Mas não se meta em casa. Saia quando em recaída. Apanhe ar na cara.
Caso os haja na terra, apanhe um eléctrico e corra a cidade de um a outro lado. Na falta, vá para junto de um curso de água. De preferência o mar, mas pode ser um rio ou um lago. Nada de piscinas que isso não resulta a não ser que possa nadar, mas sem ar condicionado que potencia as mágoas. Está provado.
Vá ver as montras e compre, mas cuidado não se descuide que as mágoas adoram disfarçar-se em belos vestidos e sobretudo malas e bijutaria. Cuide-se. Vá às lojas antigas. Aquelas em que se atravessa a rua e há carros e semáforos e tudo.
Até há chuva.
Esquecia de referir. Faz muito bem às mágoas um bom aguaceiro. Uma dose de chuva, mas sempre q.b. Não adoeça, lhe aviso! Ficar com mágoas e com gripe, é super desespero.
E, muito, muito importante! Demasiadas vezes, as mágoas vêm em embalagens disfarçadas.
Sedosos embrulhos de papel de seda, muito fino, cor-de-rosa ou azul-bebé, contêm lá no fundo uma raiva.
É bom que não confunda, mas adianto que é um sentimento pior que ácido a corroer metal. Muito pior que aqueles produtos de tirar nódoas em lençol ou blusa. Aconselho a nunca deixar entrar a criatura. Mas, caso não consiga, oiça o que lhe digo.

Nunca esqueça: A mágoa é sua. A raiva é de outra gente.

Detecte a raiva a preceito. Invista nisso tempo. Elimine-a.
Este modo não falha. Experimente.
Pense alto, escreva ou grite ou cada um ou todos até que resulte: o filho da puta não me merece este sentimento que me faz doer aqui dentro. Rua!

Ficando apenas com as mágoas, deleite-se.
Vá passear no jardim pela tarde e chore naquele recanto sossegado debaixo de uma tília. Depois, há-de o corpo parecer-lhe entorpecido e os olhos acidados. Não receie: a mágoa adormeceu. Nestes momentos, pegue um cineminha ou vá a um concerto, ou faça um varal com aquela máquina de roupa. Experimente finalmente a receita do bife à camassutra.
Não telefone a ninguém. Não caia nessa asneira. Estraga tudo.

E mais não digo.
O resto, outras dicas, espero eu de você.

Esquecia-me: dizem que tomar umas cervejas ou outras bebidas do tipo wiskie ou quejando com mais ou menos álcool, é remédio santo. Experimente. Eu não me dou bem. Mas se quiser, tente.

Ah! muito importante: faça sexo! faça muito sexo! Ou, na falta, invente!

18 comentários:

Gi disse...

Minha querida, vou guardar religiosamente a tua receita para o caso de pecisar dela um dia. Vou-a afastando aos pouquinhos de cada vez mas, quem sabe, algum dia não me apanha desprevenida e se instala de vez.
Tenho ferrolho na porta mas de vez em quando somos assaltados por ela e nem damos por isso. Mulher prevenida vale por duas dizem... vamos lá a ver se esta casa é suficiente para tanta gente :)

Adorei todos os teus conselhos que me parecem tão cheirosos, tão calmante para corpo e para a alma. De tudo só coloco uma reticiências para o álcool porque não sou grande aprecisadora. Quanto ao resto . Recomenda-se.

Bom fim de semana. Obrigada pelo momento precioso que aqui me fizeste passar. Agora vou ouvir o reto da história do meu neto que para além de ter visto um caranguejo na praia, parece que também avistou uns tubarões e uns barcos com piratas. Podes acrescentar aí à tua lista esta receita. Os netos também curam muita coisa :). Sei disso há 3 anos :)

Mais beijos

Alberto Oliveira disse...

No atente:

Completamente de acordo com o doce. Não há mágoa que resista ao sabor da chila e dos fios de ovos. Só para o papar (o doce), não me importaria de estar sempre magoado...

No repare:

E um bom havano... de Cuba? não se pode?! E onde anda a sua cabeça, minha boa amiga? os murros e/ou as estaladas como forma de persuação clínica?! ou pedagógica, acabaram com o 25 de Abril...

No aviso:

Quem se mete à chuva não tem mágoas mas sim... mágUas.
Respirei de alívio no que se refere às embalagem disfarçadas das mágoas. No seu estudo não consta "papel de fantasia". Óptimo.

No nunca esqueça:

Não entendi a "forma" das sugestões sobre a bebida e o sexo. O tipo de letra que só consegui ler com uma lupa tem alguma coisa a ver com as informações finais na venda de produtos bancários ou de seguros?!




Tá fixe o texto ó vizinha!

Alberto Oliveira disse...

Ó vizinha! Eu acho que o neto da Gi já era altura de ter um blog. Atão a um catraio com aquela idade que avista numa praia, caranguejos, tubarões e barcos de piratas o que é que se lhe pede?! posts, pois tá claro!!

Alberto Oliveira disse...

Ó vizinha! eu hoje não me calo...

Já me esquecia dessa do bife à camassutra. É do lombo, da pá ou doutro sítio mais... sigiloso?

Anónimo disse...

Ora, pois. E a pena que eu tenho de tu só teres abandonado essas das chapadas na cara mais recentemente. Sim, que ainda bem me lembro das que tu distribuías aqui há us anos... E pensar que fui um dos felizes contemplados. Mas não nos serviu de nada, nem a mim, nem a ti. Quanto aos shoppings, concordo. No que ao sexo diz respeito, amiga, como estou farto de inventar! Obrigado por me teres feito rir tão de gosto! Beijo!

Nilson Barcelli disse...

Mas que receita...
Acho-a de antologia. Parabéns.
Bom fim-de-semana.
Beijinhos.

Alexandre disse...

Isto das receitas para mágoas veio mesmo a calhar... vou seguir à risca e ver qual é o resultado, heheh...

mas um resultado positivo posso já assegurar... sexo, muito sexo, o corpo não se gasta e o que se poupa em psicólogos, spas, etc, então nem se fala!!!

Beijinhos!!!

Anónimo disse...

eu ia lendo e esperando, e desesperando, q nao apareca nada específico para gajos. já quase tinha desistido, e pronto para soltar o lexico ofensivo, qdo reparei nas letras miudinhas! isso até eu entendo. mas, estando provado q a falta de sexo faz mal à vista n deverias aumentar a letra? e receita desse bife?

Paulo disse...

Obrigado pela visita.
Bom Fim-de-semana. E obrigado pela receita:) Vou tentar seguir à risca e sem ter de inventar.

wind disse...

Gargalhadas Escritora está genial:))
Vou experimentar a tua receita quando estiver na mó deaixo.lololol
Adorei esta prosa. A brincar escreveste muitas coisas sérias:)
Beijos

LUA DE LOBOS disse...

uma perfeita delicia::))
e vou no Havano pois então!!!
embora seja politicamente incorrecto... e eu com isso??!!
adorei o que li e vou voltar :)
xi
maria de são pedro

Menina Marota disse...

Fantástico! Li e reli... e fez-me tão bem ler!!

Uma receita que se pudesse seguiria à risca!

Beijinhos e bom fim de semana ;))

perplexo disse...

Quando precisava, a minha receita era fazer uma lista das «coisas boas da vida» e depois tomar consciência que, existindo elas e poder eu optar por elas, não havia razão para estar triste.

Concordo: também me é muito mais fácil lidar com a mágoa que com a raiva. Esta é terrível!

Essa do bife à camassutra é marota...

Anónimo disse...

Bora lá à chapada! rsrsrsrs

E sai uma rodada de conquilhas!

Gi disse...

Quando puderes passa pelo meu espaço, tenho lá uma coisa para ti. Vais dar com ela :)

Beijos e abraços, mais dos primeiros do que dos segundos.

Já agora é só para acrescentar que o tubarão afinal prendeu a perna do meu neto. Só que ele deu-lhe com o balde na cabeça e otubarão fugiu. É um destemido este meu neto.

Se não te importas , dia aí ao teu vizinho que a fazer um blog para o meu neto o ritmo de postagens ainda era mais alucinante que o meu. O rapaz não me dá descanso lol

Beijinhos

CNS disse...

Delicioso este teu momento-receita. Pudesse eu segui-la à risca... ;)

bjs

Anónimo disse...

Eu andava um bocado magoado, como quem diz, andava com muitas mágoas e aocnselharam-me uma visita ao totodasversas(http://totodasversas.blogspot.com), ora eu filadinho na cura para essas mágoas que me disseram logo que não seria preciso afogálas porque se o fizesse o mais certo era eu acabar afogado, lá anotei o endereço do raio do blog (maldita a hora) e lá fui.
Bem, a verdade que em meia dúzia de dias já corri psicólogos, psiquiatras e até curandeiros, mas nada feito, aquilo é uma miséria do piorio! ´No princípio ainda me ri, depois comecei a sentir-me atrofiado das ideia e quando dei por mim...catrapumba. Avisaram-me logo que aquilo era só para "burros" e não para tipos com um bocadito de cultura pois esses é na tentaiva de perceber aquela porcaria, rebentavam a cabeça toda, andavam ali às voltas e no fim, atrofiavam!!!!!...
Totodasversas, nunca mais. Aquilo parece inocente mas é uma nova forma de subversão. Prendam o "extraterrestre" que comanda esse blog criminoso.
http://totodasversas.blogspot.com??????..... fujam disso
Não digam que não vos avisei!

Lica Richa disse...

Magnífico!

Obrigada.

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein