Fiquei doente. Os dentes caíram. Os de cima. Caíram um a um como tijolos sem argamassa entre eles. Caíram simplesmente. De um dia ao outro e fiquei de boca encarquilhada e eu nos trinta e poucos. Passou-se andávamos por Novembro. Fazia um calor de Estio. Nas ruas, nos largos, nas casas, abafava-se ainda em restos de um Agosto já distante. E eu adoecendo. Não me doía nada. Apenas me sentia fraco. Comia bem e com vontade. Comia daquele pão que tu fazias. Uns pãezinhos redondos com sementes por cima. Eram feitos quando chegavas da rua. Espalhavas farinha na pedra. Juntavas água, acho que ovo e amassavas. Sei que apareciam feitos ainda eu tinha na vista o branco e no nariz o pó da farinha. Eram molinhos e traziam um doce de ameixa que fizeras em altura própria e mantinhas em frascos alinhados por cima da bancada na cozinha. E eu doente. Deslavado. Comendo os pães com três ou quatro dentes que me sobravam. Todos na mandíbula de baixo. Nenhum em cima. Tu vestias uma blusa em decote redondo. Quase sempre. Blusa justa e muito curta. Via-te a carne em torno da cintura em cada movimento. Bronzeada dos banhos de um sol que ainda não terminara nesse Verão que se enfiara por Novembro. O mesmo bronzeado que me dava ainda um ar mais ou menos decente. Depois, agora, a cor acobreou. Diria que estou mais para o cinzento. Mas em Novembro é que foi quando eu adoeci. No Novembro de um Verão em que um a um me caíram os dentes, eu comia bem. Comia mesmo sem os dentes. E estava bronzeado. E via o teu seio saindo da blusa de decote redondo enquanto me servias pãezinhos quentes com geleia. Os teus seios magros pareciam dois pãezinhos dos que tu fazias. E depois choveu como devia. No quintal, nasceram flores de Inverno e a terra ganhou aquele odor a vida. Numa tarde em que brilhara um sol entre dois aguaceiros, senti frio. Chegaste envolta numa nuvem de arrepios sorridentes anunciando: arrefeceu, tardava. Colocaste um casaco de malha sobre o decote redondo e deixei de ver o rebordo da cintura quando te abaixavas. E chegou Dezembro. Estou doente. Caiu-me muito cabelo. Não me dói nada, mas sinto-me muito fraco e nem o doce de geleia me apetece. Parece-me que deixaste de fazer os pães. Nunca mais vi enfarinhado o negro desalinhado dos teus longos cabelos Amanhã vou-te pedir que me deixes ficar em casa. Vou dizer-te que quero aqui ficar olhando as flores no quintal, brincando com o cão, lendo. Não quero que me caia nem mais um cabelo. Não quero que a geleia que tu fazes me saiba a pasta de dentes. Quero sorrir contigo ao frio deste Dezembro e ver a chuva e cheirar o mar em sueste. Quero que me faças pãezinhos quentes para eu comer mesmo sem dentes.
sábado, 18 de novembro de 2006
Pãezinhos com geleia
Fiquei doente. Os dentes caíram. Os de cima. Caíram um a um como tijolos sem argamassa entre eles. Caíram simplesmente. De um dia ao outro e fiquei de boca encarquilhada e eu nos trinta e poucos. Passou-se andávamos por Novembro. Fazia um calor de Estio. Nas ruas, nos largos, nas casas, abafava-se ainda em restos de um Agosto já distante. E eu adoecendo. Não me doía nada. Apenas me sentia fraco. Comia bem e com vontade. Comia daquele pão que tu fazias. Uns pãezinhos redondos com sementes por cima. Eram feitos quando chegavas da rua. Espalhavas farinha na pedra. Juntavas água, acho que ovo e amassavas. Sei que apareciam feitos ainda eu tinha na vista o branco e no nariz o pó da farinha. Eram molinhos e traziam um doce de ameixa que fizeras em altura própria e mantinhas em frascos alinhados por cima da bancada na cozinha. E eu doente. Deslavado. Comendo os pães com três ou quatro dentes que me sobravam. Todos na mandíbula de baixo. Nenhum em cima. Tu vestias uma blusa em decote redondo. Quase sempre. Blusa justa e muito curta. Via-te a carne em torno da cintura em cada movimento. Bronzeada dos banhos de um sol que ainda não terminara nesse Verão que se enfiara por Novembro. O mesmo bronzeado que me dava ainda um ar mais ou menos decente. Depois, agora, a cor acobreou. Diria que estou mais para o cinzento. Mas em Novembro é que foi quando eu adoeci. No Novembro de um Verão em que um a um me caíram os dentes, eu comia bem. Comia mesmo sem os dentes. E estava bronzeado. E via o teu seio saindo da blusa de decote redondo enquanto me servias pãezinhos quentes com geleia. Os teus seios magros pareciam dois pãezinhos dos que tu fazias. E depois choveu como devia. No quintal, nasceram flores de Inverno e a terra ganhou aquele odor a vida. Numa tarde em que brilhara um sol entre dois aguaceiros, senti frio. Chegaste envolta numa nuvem de arrepios sorridentes anunciando: arrefeceu, tardava. Colocaste um casaco de malha sobre o decote redondo e deixei de ver o rebordo da cintura quando te abaixavas. E chegou Dezembro. Estou doente. Caiu-me muito cabelo. Não me dói nada, mas sinto-me muito fraco e nem o doce de geleia me apetece. Parece-me que deixaste de fazer os pães. Nunca mais vi enfarinhado o negro desalinhado dos teus longos cabelos Amanhã vou-te pedir que me deixes ficar em casa. Vou dizer-te que quero aqui ficar olhando as flores no quintal, brincando com o cão, lendo. Não quero que me caia nem mais um cabelo. Não quero que a geleia que tu fazes me saiba a pasta de dentes. Quero sorrir contigo ao frio deste Dezembro e ver a chuva e cheirar o mar em sueste. Quero que me faças pãezinhos quentes para eu comer mesmo sem dentes.
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adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência
ABRIL DE 2008
Abril de 2009
dizia ele
"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein
Einstein
7 comentários:
Escritora, mais um conto de arrepiar.
Descreveste uma doença e seu tratamento sem escrever sobre isso.
És fantástica!
Os pormenores do "monólogo" estão fenomenais.
Parabéns e que raio onde andam os editores que não te lêem?:)))
beijos
Eu já vi isto acontecer a duas pessoas da minha família... Uma delas tinha apenas 34 anos. Tenho tantas saudades dela...
PS: Mudei de link... (mas já não mudo mais)
cá estou.
fep - escrita iberica
...impressivo. A tua capacidade de engendrar cenários interiores é remarcável.
Um conto tão doce...
Abraço apertado para ti
... pãezinhos com geleia numa história de amor e dor. Gostei muito do modo como levaste a massa ao forno que imagino ser de lenha e nem abusaste no fermento! Parabéns!
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