terça-feira, 28 de novembro de 2006

real


Se as coisas fossem.
Se as coisas fossem como nos parecem
(-Podes esperar pelas três)
Se tudo nos fosse semelhante ao real.
(-Não podes esperar por outra hora, segredou-se.)
Se a vida nos fosse mostrada como um somatório de imprevistos, de dor.
Se fossemos realistas.
(Não é se fores, Maria. Vais agora ou não vais.
Maria sentou-se. Maria estava sempre de pé antes de se decidir. Era só depois que se sentava. Ficar era sempre arrimar-se a um qualquer assento, tantas vezes o chão.)
Fazer o que queremos.
Querer alguma coisa.

(A vida tinha-lhe dado aquele pendor de não ir. Passeava o desejo de ir como passeava os cabelos atados em duas tranças. Ficava na borda do cais de onde já não partia mais que alguma corveta de vigilância da costa. Na Marina, via os veleiros e outros demais barcos, quebrar em duas a ponte e rumarem a sul. Mais pelas tardes de Inverno, aparecia na estação de caminho de ferro. Sempre colada a uma ideia de partir e sempre sem nada que não ela: nem saco, nem mala, nem outro qualquer objecto que indiciasse partida. Hoje, queria partir para longe. Fizera saber que: simplesmente quero ir-me embora. Comprou, disse, um bilhete. Era um bilhete na carreira das três para a capital. Ficou de pé, muito decidida, muito a sentir que ia.)
Valha-nos ter duas vidas: a dos sonhares e a dos aconteceres.
Pintamos os sonhares de cores. De todas as cores.
Olhamos com elas cada acontecer.
A cor da vida é uma cor de sonhada.
(Maria olhou a camioneta que partia sentada no muro pendurado sobre a ria. Olhou até que era só um ela saber que aquilo era a camioneta onde não partira. O pensamento voava-lhe para lonjuras. No muro poisavam gaivotas. Um gato mordiscava um resto de cavala. Numa janela, do outro lado da rua, uma rapariga de cabelo pintado de amarelo palha, sacudia uma toalha de rosto. Mais a dois passos, um casal beijava-se na boca enquanto uma mulher muito gorda saía de uma loja. No céu uma nuvem tapou o sol pardo de Janeiro. As palmeiras rasmalharam à brisa de sul. Um bote azul entrava a barra. Maria caminhou. )
É pelo sonho que somos felizes.

E. Munch

7 comentários:

Anónimo disse...

Se não sonharmos o que desejamos ser, não conseguimos encontrar caminhos.

augustoM disse...

O que é a vida se não um sonho, ora acordado ora adormecido.
Um abraço. Augusto

Anónimo disse...

É (só) pelo sonho que somos felizes ?
(beijo)

Manuela Neves disse...

Venho deixar votos de BOM NATAL
e FELIZ ANO NOVO.
Venham tomar 1BICA quentinha no meu canto.
http://bica.blogs.sapo.pt

Saudades e abraços companheiros.
AMIGA SEMPRE
ALUENA

wind disse...

Escritora está sublime esta tua prosa:)
beijos

Acilina disse...

Essa ponte que se parte em duas... essa marina, o cais de onde já não parte mais que uma corveta... Por acaso não é em Lagos?
Mas o texto está belíssimo!!!

Anónimo disse...

Me mostra como se faz...?
Como se juntam........... a paz e a dor dos meus ais............. Me ensina como se escreve
Preu escrever em mim ...

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein