sexta-feira, 5 de maio de 2006

meias de rede

Os pulsos já quase não latejam. Os dois pulsos e os braços agarrados num sangue coalhado. Os braços nus escorrem vermelho. O trapo sujo nos ombros. Os olhos meio fechados. O sol enorme por cima da cabeça. A cabeça arde. Arde tanto quanto o peito, vermelhos ambos de terra e sol. Doido. Endoidecido. A quantidade de dias que está ali, não o sabe. Deitado numa terra crua, terra vermelha. Pensa em nada. O pensar tão preso quanto os pulsos. O pensar tão seco quanto a boca. Descai os olhos para dentro. Vê-a. Não ela inteira. As pernas dela. As pernas balançando, vestidas de rede negra. Sente um pisar sobre o pé descalço. Dor não sente. É maior a dor acostumada em cada pulso. As pernas dela balançando de negro, roçando-lhe os pés. Ela erguida sobre ele. O fresco do seu perfume. Tardam em cortar a amarra que o não deixa tocar-lhe as pernas sobre a rede das meias. Demora a perceber o homem e a chave. Ela e a chave balançando sobre a sua cabeça, soltando-o.
Olha o roxo de cada braço. Faz dois braços de dor sobre o peito. Ela à sua frente, as pernas vestidas de rede negra.

Ali, sentado na sala, não sabe mais daqueles dias e noites e mais dias e noites.
Ela está sentada a seu lado e não tem as meias de rede a cobrirem as pernas.

10 comentários:

Anónimo disse...

Queres saber mesmo a verdade? Só estou mesmo aqui pq o meu blog mandou; para ver se tb comentas a minha história. Alguém disse: "que longa introdução". E eu acrescento, mas é mesmo só uma introdução, porque a história vai formando-se dentro da tua cabeça. - P/ descarado só me falta o chapéu... Senão tiver leitores as vendas baixam. - A poesia não precisa, governa-se sozinha!...

Beijos e abraços

Alberto Oliveira disse...

Quando era mais miudo, perguntava-me porque é que as mulheres calçavam meias de rede. Faziam-me lembrar balizas de futebol com pernas. Depois explicaram-me. Era para uma melhor respiração sanguínea. Não achei a explicação convincente. Morava nessa altura no meu bairro um guarda-redes do Benfica de que já não me lembra o nome. Enchi-me de coragem e um dia perguntei-lhe porque é que as mulheres usavam meias de rede. «As que eu conheço, vão ao estádio, cruzam as pernas e... desconcentram-me. Foi por isso que no domingo passado dei dois frangos e o Sporting ganhou»
Esta explicação já era mais razoavel, pensei satisfeito...

Bom fim de semana!

lique disse...

Pois, escreves estas coisas e deixas-nos assim, aguados... :)) Tá mal! A gente fica sem saber os entretantos dela ter meias e não ter... :)
Beijão

wind disse...

Ficámos em suspense depois das descrições tão pormenorizadas:) Beijos

Anónimo disse...

olá!
vim só dizer que vou andando por aí, sem vontade para nada e dar-te um beijinho.

Mikas disse...

wow big time story

Alberto Oliveira disse...

... tive a tirar as medidas ao bichano que tens aí ao lado. Pode ser que um dia te distraias...

Alberto Oliveira disse...

... devolvo-te o gato! O sacana arranhou-me e deu-me cabo de um tapete persa que comprei na feira do relógio por uma pipa de massa. Nunca mais me faço aos teus animais; deves tê-lo treinado...

augustoM disse...

Será que a morte também usa meias negras de rede?
Um abraço. Augusto

mjm disse...

"Descai os olhos para dentro. Vê-a."

"Olha o roxo de cada braço. Faz dois braços de dor sobre o peito."

menina, este tipo de descrições, económicas, são de uma superioridade literária!...

(nunca esquecerei o primeiro (o enquanto...) dos teus textos que me marcou pela tua capacidade descritiva cinematográfica, q tive séculos a catar nos arquivos para to palmar pro meu dixit, a minha caixinha guarda-pérolas. o facto é que, desde então, sôfrega te percorro as linhas e sempre, sempre! me comovo com alguma destas tuas piruetas sossegadas...) :-)

tantos kisses qts conseguires aguentar!

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

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ai meu Abril, meu Abril...




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"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
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