domingo, 23 de outubro de 2005

Aves de arribação


Era o tempo em que ágeis andorinhas
Consultam-se na beira dos telhados,
E inquietas conversam, perscrutando
Os pardos horizontes carregados ...

Em que as rolas e os verdes periquitos
Do fundo do sertão descem cantando ...
Em que a tribo das aves peregrinas
Os Zíngaros do céu formam-se em bando!

Viajar! viajar! A brisa morna Traz
de outro clima os cheiros provocantes.
A primavera desafia as asas,
Voam os passarinhos e os amantes! ...
II
Um dia Eles chegaram.
Sobre a estrada Abriram à tardinha as persianas;
E mais festiva a habitação sorria
Sob os festões das trêmulas lianas.

Quem eram? Donde vinham? — Pouco importa
Quem fossem da casinha os habitantes.
— São noivos —: as mulheres murmuravam!
E os pássaros diziam: — São amantes —!

Eram vozes — que uniam-se co'as brisas!
Eram risos — que abriam-se co'as flores!
Eram mais dois clarões — na primavera!
Na festa universal — mais dous amores!

Astros! Falai daqueles olhos brandos.
Trepadeiras! Falai-lhe dos cabelos!
Ninhos d'aves! dizei, naquele seio,
Como era doce um pipilar d'anelos.

Sei que ali se ocultava a mocidade...
Que o idílio cantava noite e dia...
E a casa branca à beira do caminho
Era o asilo do amor e da poesia.

Quando a noite enrolava os descampados,
O monte, a selva, a choça do serrano,
Ouviam-se, alongando à paz dos ermos,
Os sons doces, plangentes de um piano.

Depois suave, plena, harmoniosa
Uma voz de mulher se alevantava...
E o pássaro inclinava-se das ramas
E a estrela do infinito se inclinava.

E a voz cantava o tremolo medroso
De uma ideal sentida barcarola...
Ou nos ombros da noite desfolhava
As notas petulantes da Espanhola!

III
As vezes, quando o sol nas matas virgens
A fogueira das tardes acendia,
E como a ave ferida ensangüentava
Os píncaros da longa serrania,

Um grupo destacava-se amoroso,
Tendo por tela a opala do infinito,
Dupla estátua do amor e mocidade
Num pedestal de musgos e granito.

E embaixo o vale a descantar saudoso
Na cantiga das moças lavadeiras!...
E o riacho a sonhar nas canas bravas.
E o vento a s'embalar nas trepadeiras.

Ó crepúsculos mortos! Voz dos ermos!
Montes azuis! Sussurros da floresta!
Quando mais vós tereis tantos afetos
Vicejando convoseo em vossa festa? ...

E o sol poente inda lançava um raio
Do caçador na longa carabina...
E sobre a fronte d'Ela por diadema
Nascia ao longe a estrela vespertina.

IV
É noite! Treme a lâmpada medrosa
Velando a longa noite do poeta...
Além, sob as cortinas transparentes
Ela dorme... formosa Julieta!

Entram pela janela quase aberta
Da meia-noite os preguiçosos ventos
E a lua beija o seio alvinitente
— Flor que abrira das noites aos relentos.

O Poeta trabalha!... A fronte pálida
Guarda talvez fatídica tristeza ...
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Tendo por musa — o amor e a natureza!

E como o cáctus desabrocha a medo
Das noites tropicais na mansa calma,
A estrofe entreabre a pétala mimosa
Perfumada da essência de sua alma.

No entanto Ela desperta... num sorriso
Ensaia um beijo que perfuma a brisa... ...
A Casta-diva apaga-se nos montes...
Luar de amor! acorda-te, Adalgisa!

V
Hoje a casinha já não abre à tarde
Sobre a estrada as alegres persianas.
Os ninhos desabaram... no abandono
Murcharam-se as grinaldas de lianas.

Que é feito do viver daqueles tempos?
Onde estão da casinha os habitantes? ...
A Primavera, que arrebata as asas...
Levou-lhe os passarinhos e os amantes!...

AVES DE ARRIBAÇÃO de Castro Alves

15 comentários:

wind disse...

Confesso que desconhecia e adorei:) beijos

mfc disse...

Já conhecia Castro Alves... foi cá embaixador. É um poeta soberbo!

Humor Negro disse...

Este post foi devidamente esterilizado? É que nunca fiando...

agua_quente disse...

Não conhecia e fiquei a gostar. Belo poema!
Beijos

lique disse...

Aves de arribação? Mas tu não vês a televisão? Não lês os jornais? :))
Gostei do poema, claro. Mas isto de aves hoje em dia é uma chatice. Já nem podemos olhar-lhes para a vertente poética! :)
Beijão

sotavento disse...

Pronto, agora tenho gripe virtual e amanhã vou apanhar da outra!... (Vou visitá-las ao vivo!... :))

Raelma Mousinho disse...

Nossa!! que poema magnífico!!!
que bom que lembrou de mim e me convidou para vê-lo!! lindo DEMAIS!!
como era um mestre o Castro Alves não é?? =)
bonito o amor dos passarinhos..
obrigada por me mostrar o poema!! nao conhecia ainda!
beijos
Rah =)

Mushu disse...

Espera lá, vou buscar o Tamiflu e já volto...

Anónimo disse...

Mas que cheirinho a primavera... Já tenho saudades... Vim ver como tens passado. Beijinhos e bom resto de semana.

Anónimo disse...

Mas que cheirinho a Primavera... Já tenho saudades. Vim ver como tens apssado. Beijinhos e bom resto de semana

Unknown disse...

Pois nada de mais actual... Aves. Qualquer dia começo a achar que o Hitchcok, com os Pássaros, o que fez foi uma premonição. Puxa!!!
Poema belo. Beijoca.

Alexandre de Sousa disse...

Com este tempo nada melhor que um cheirinho a primavera.

Anónimo disse...

Adorei os versos. beijinho e bom domingo*

Anónimo disse...

Curioso! Não conhecia Castro Alves!! Como gosto de poemas e de posts longos, lá deparei eu com um post á minha maneira! Já há algum tempinho que cá não vinha!! Para já só ainda li este post por isso deixa lá dar uma vista de olhos aos outros em atraso e ver o que tens tu escrito!!!

Anónimo disse...

Oh!!! Afinal nem andava muito atrasado em relação aos teus ultimos posts! Desde que cá vim beber um copito de licor contigo, tu pouco escreveste! Ai como andas preguiçosa...... ( Tal como eu) !

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

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ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein