Acabou de ler a mensagem. Não chorou, nem sentiu essa vontade. Ficou gelada e deve ter mudado de semblante porque o Semião tocou-lhe o ombro por sobre o enchumaçado do casaco de veludo mel e falou muito baixo: “sai discreta que eu trato do resto.” Parecia um deslizar mais que andar o que a dirigiu ao gabinete. Pegou a pasta. Deixara de usar carteira há muito. Foi quando a mão se colocava no local de abrir a porta que lhe sobreveio aquela onda que de imediato se desfez em choro. Sentou-se na cadeira de frente para a avenida barulhenta, dois andares abaixo. Não havia um pensamento que cortasse aquele chorar. Quando acabou, passou um pouco de água nos olhos, pestanejou, colocou os óculos muito escuros e saiu do gabinete. No elevador, gostou do que o espelho reflectia. O louro do cabelos repassado a branco caía sobre a testa. A boca rosada brilhava de natural. Sorriu sem que se visse a alvura certinha dos dentes. Puxou a gola do casaco com a mão enluvada de camurça. Atravessou o átrio do prédio em passadas firmes de cima dos saltos das botas. A saia mesclada de muitos cor de vinho, espreitava, a cada passo, por debaixo do casacão.
Ermelinda nunca fora a sua amiga. Ermelinda era a sua melhor amiga. Poderia dizer que ela, Maria Augusta Menezes sempre olhara Ermelinda Natércia como uma vizinha . Vizinha de casa e de carteita. A filha do sócio do seu pai. A noiva e mulher do Albuquerque. Amiga, amiga mesmo, não. Ermelinda e Maria Augusta brincaram juntas em meninas. Maria Augusta e Ermelinda habitavam as vivendas vastas de seus pais na zona alta da cidade africana. A baía ao fundo olhada do jardim das traseiras onde, regularmente, se fizeram festas de tudo e de só alguma coisa. Ermelinda Natércia Baptista era seu nome de solteira. Ermelinda Natércia Baptista de Albuquerque seu nome de casada com aquele Nataniel que um dia se matriculou, já o 7º ano da alínea H, ía no 2º período. Vinha do sul. Do planalto. Loiro que ofendia. O sol rebrilhando nos caracóis e no corpo felpudo. Nataniel olhando-as do seu metro e oitenta sempre adornado de cores muito a puxar ao branco a contrastar com os dois olhos muito, mas mesmo muito negros.
Ermelinda nunca fora a sua amiga. Ermelinda era a sua melhor amiga. Poderia dizer que ela, Maria Augusta Menezes sempre olhara Ermelinda Natércia como uma vizinha . Vizinha de casa e de carteita. A filha do sócio do seu pai. A noiva e mulher do Albuquerque. Amiga, amiga mesmo, não. Ermelinda e Maria Augusta brincaram juntas em meninas. Maria Augusta e Ermelinda habitavam as vivendas vastas de seus pais na zona alta da cidade africana. A baía ao fundo olhada do jardim das traseiras onde, regularmente, se fizeram festas de tudo e de só alguma coisa. Ermelinda Natércia Baptista era seu nome de solteira. Ermelinda Natércia Baptista de Albuquerque seu nome de casada com aquele Nataniel que um dia se matriculou, já o 7º ano da alínea H, ía no 2º período. Vinha do sul. Do planalto. Loiro que ofendia. O sol rebrilhando nos caracóis e no corpo felpudo. Nataniel olhando-as do seu metro e oitenta sempre adornado de cores muito a puxar ao branco a contrastar com os dois olhos muito, mas mesmo muito negros.
O pé saltou sobre o travão e Maria Augusta percebeu que estava no meio do trânsito das seis da tarde. Fez sinal para a direita e contornou a placa em direcção à Clínica.
A porta do quarto estava entreaberta numa claridade ofensiva. Ermelinda parecia que dormia. Sentiu-a assim. Ermelinda dormindo velada por aquele homem grande demais para parecer sentado, a cabeça dobrada sobre o negro do cabelo dela. Nataniel ergueu os olhos muito azeviche, muito raiado de sangue, muito olheirento. “De choro ou de noites mal dormidas?” pensou enquanto lhe dirigia um olhar que sabia não querer dizer nada. Um olhar mudo, quase imbecil. Lembrou-se que ele bebia e sentiu como se o tivesse gritado. Nataniel soergueu-se e ficou quase à sua altura. Beijou-a num afago de face, fugidio. Ficaram olhando Ermelinda. Nem uma palavra. Maria Augusta retirou, vagarosa, cada uma das luvas e colocou-as na pasta, arrumadas ao lado do dossier das actas. Lembrou-se que deixara em meio a reunião e sentiu curiosidade em saber como acabara. Distraiu-se e envergonhou-se de o fazer. Fixou firmemente o rosto de Ermelinda. Quase pedia, sabia lá a quem, que lhe desse um pouco de sentir aquela vida em suspenso. Nada. O que sentia era uma enorme vontade de que tudo, sem pensar em quê, acabasse depressa. Um cansaço enorme entorpeceu-lhe o corpo. Sentiu um quase sono. Sentou-se numa poltrona. Nataniel ficava-lhe de costas. Imaginou-os em acto sexual. Sentiu medo dos seus pensamentos, mas sorriu interiormente. Concentrou-se em ter pena e ficou adormecendo qualquer diverso pensamento. A enfermeira entrou com alarido seguida de dois homens. Pediu-lhes que saíssem. Maria Augusta apressou o passo para a porta. De soslaio, olhou o corpo destapado e viu as cuecas vermelhas de Ermelinda. Sentiu ridículo aquele olhar. Saíu do quarto.
A porta do quarto estava entreaberta numa claridade ofensiva. Ermelinda parecia que dormia. Sentiu-a assim. Ermelinda dormindo velada por aquele homem grande demais para parecer sentado, a cabeça dobrada sobre o negro do cabelo dela. Nataniel ergueu os olhos muito azeviche, muito raiado de sangue, muito olheirento. “De choro ou de noites mal dormidas?” pensou enquanto lhe dirigia um olhar que sabia não querer dizer nada. Um olhar mudo, quase imbecil. Lembrou-se que ele bebia e sentiu como se o tivesse gritado. Nataniel soergueu-se e ficou quase à sua altura. Beijou-a num afago de face, fugidio. Ficaram olhando Ermelinda. Nem uma palavra. Maria Augusta retirou, vagarosa, cada uma das luvas e colocou-as na pasta, arrumadas ao lado do dossier das actas. Lembrou-se que deixara em meio a reunião e sentiu curiosidade em saber como acabara. Distraiu-se e envergonhou-se de o fazer. Fixou firmemente o rosto de Ermelinda. Quase pedia, sabia lá a quem, que lhe desse um pouco de sentir aquela vida em suspenso. Nada. O que sentia era uma enorme vontade de que tudo, sem pensar em quê, acabasse depressa. Um cansaço enorme entorpeceu-lhe o corpo. Sentiu um quase sono. Sentou-se numa poltrona. Nataniel ficava-lhe de costas. Imaginou-os em acto sexual. Sentiu medo dos seus pensamentos, mas sorriu interiormente. Concentrou-se em ter pena e ficou adormecendo qualquer diverso pensamento. A enfermeira entrou com alarido seguida de dois homens. Pediu-lhes que saíssem. Maria Augusta apressou o passo para a porta. De soslaio, olhou o corpo destapado e viu as cuecas vermelhas de Ermelinda. Sentiu ridículo aquele olhar. Saíu do quarto.
Na sala de espera, Nataniel recostava-se na janela. A sua sombra alongada cobria o soalho. Não parecia nem cansado nem triste. Dir-se-ia que, também ele, desejava o desfecho. Maria Augusta encostou-se na janela ensolarada. Alargou-se a sombra no soalho da sala .
15 comentários:
Li de uma vez, quase sem respirar.
Escreve mais histórias destas e como esta. Para se lerem de um fôlego; como eu gosto.
História muito bem contada. Visualiza-se mais uma vez toda a cena e sentimentos. beijos
Estive ontem (? hj?) muito à noitinha a ler este fabuloso texto. Na altura, arrebatou-me e não fui capaz de tecer nenhum comentário. Voltei aqui hj para o reler e (engraçado, isto do espaço/tempo...) li outras coisas, ou de outra maneira. O q reforça a afirmação de ser este um excelente texto!
Comentário?! Continuo a não o conseguir escrever.
Só te consigo aplaudir.
Big abraço!
Como deverão perceber, dirigir e compor quatro blogs simultaneamente não é fácil, na medida em que existe outras obrigações a que nunca poderei fugir. Daí, comentar-vos nestes últimos dias, muito menos... Mas não vos esqueci, tratando-os a todos com a mesma compreensão e carinho. Porque só fará sentido, enquanto ainda alguém me visita e comenta...
Beijos e obg. pelas tuas palavras sempre incentivadoras
Minha querida, que escreve cada vez melhor,
É nestas alturas que uma palavra de apreço é mais bem vinda.
E estou a passar um mau momento, graças às calúnias de certa gente que anda por aí. Uns más línguas, cobardes, que me atacaram pelas traseiras.
Claro que a verdade está reposta, devidamente documentada, o processo judicial em curso, mas mesmo assim,
um jesto de solidariedade é uma benção.
Estou-te profundamente agradecida. Do fundo do meu coração.
Aliás, toda esta polémica me afectou de tal maneira, que parto na sexta-feira para águas mediterrânicas.
Queres que te deixe o meu carro? Aquele cuja matrícula é qualquer coisa - qualquer coisa - UI?
§(~_~)§ beijo da Afrodite
Adorei. Para quando um livro??? Beijos
Sente-se e vê-se tudo... a tua imaginação forte toca-nos de igual modo.
Gostei muito.
-UAuuu...foi como se estivesse a viver eu como personagem....
Nem sei que dizer :$
Muito involvente, as tuas palavras
bjs :)
Boa! Gosto das tuas histórias de fazer carpir as pedras da calçada, algarvia de má raça. ;-)
Não te sabia algarvia. Tenho muita gente amiga nos algarves e costumo ir aí passar férias. A praia que costumo frequentar é a de D´Ana. Pequena, mas muito simpática. A minha mais-que-tudo já lá apanhou um susto tremendo, por pensado ter visto um tubarão, quando nadava afastada da praia. Afinal era a carcaça de uma vaca morta...
Bonita descrição de uma amizade que apesar da distância se manteve... pitoresco o pormenor das cuecas vermelhas, é mesmo coisa de mulher ! Bj
Vinha com curiosidade de ver se, por um acaso, tu ainda escrevias do mesmo jeito. Escreves melhor, transmites pormenores e sentimentos. E sentimentos nos pormenores. Tu sabes o que eu quero dizer. :)
Beijos
gosto demais do jeito q vc escreve querida =))
beijocas e saudades daqui!
obrigada pelo carinho =)
Rah
Eu que pessoalmente gosto de posts longos...este para mim é ouro sobre azul...deveras interessante! Vou continuar a seguir o desenrolar!!
Mas e então o desenrolar??? Que raio.... então tu andas a colocar comentários nos blogs dos outros e não dás manutenção ao teu??? Ai...ai...ai...!!!
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