sexta-feira, 9 de setembro de 2005

papel vegetal

Escorria-lhe pelos dedos a história não prevista. A caneta deslizando num qualquer bocado de papel e a história criando vida como se tirasse cópia. Cópia de desenho em revista com papel vegetal. Nunca usava máquina de escrever. Escrevia com a velha caneta de tinta permanente que o pai lhe dera no final da primária. Uma Parker invejada. Escrevia em qualquer papel. Não, nunca escrevera em papel vegetal. E, no entanto, este era um papel mágico. Papel de embrulhar toicinhos e chouriço ou as 100 gramas de banha retirada do tacho de barro com colher de pau. Papel de proteger de queimados os bolos da mãe.
O mesmo papel vegetal que a Ercília usava para copiar bordados para barras de lençóis e paninhos de loiça. Há quanto tempo! Era ele catraio na 3ª classe. Ercília sentada na soleira da porta. O vestido de florinhas muito apertado. A tábua de talhar sobre as pernas roliças, muito brancas até onde começavam as meias vindas das alpargatas de corda. Como ele se lembra bem dessas tardes! Ercília debruçada na tábua. A folha de papel vegetal sobre a revista. A mão esquerda muito tensa a segurá-la. A segurar o papel contra a revista que não pudera alfinetá-los – era uma revista emprestada pela Rosinha modista. A mão tensa carregava aberta no papel. Cada unha de Ercília ficava muito branca na extremidade. Quase tão branca, cada unha na sua respectiva extremidade, como cada uma das mamas esborrachadas no vestido. Com a outra mão, Ercília passava o lápis por cada risco do desenho. O desenho copiado para a transparência do papel. De vez em quando, com muito cuidado, Ercília levantava a folha de papel vegetal. Olhava por debaixo. Certificava-se de pétala de flor ou asa de borboleta bem traçada.

Ele e o papel presos por Ercília. O papel pela mão de unhas brancas nas extremidades. Ele pelos dois seios muito brancos tapando-se e destapando-se ao deslizar da mão de Ercília sobre o papel vegetal.
Como se recorda bem!
Ele encostado na parede em frente com o ar inocente de um menino na 3ª classe.

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Pode ver neste blog há um ano

18 comentários:

Nilson Barcelli disse...

O teu papel vegetal é fabuloso. Um conto onde a fina escrita se combina com o saber fazer, ou pelo menos com o conhecimento suficiente para descrever com precisão um costume já quase em desuso.
Para além disso as imagens são tão nítidas como um filme (com este guião até eu o realizava.
Adorei o teu texto. Excelente.
Beijinhos e bfs.

wind disse...

Um dos teus melhores textos, descritivos a visualizar-se tudo:) Foto boa para encaixar no texto, ou vice-versa;) beijos

Lmatta disse...

Olá seilá
Gosto do teu papel vegetal.
beijinhos

Afrodite disse...

cheguei aqui para te dizer já não sei o quê, vi estas lindas imagens, roubei-tas.

§(~_~)§ beijo da Afrodite
(uma carinha d'anjo num corpo espectacular, com tudo no sítio, muito dentro do prazo, sem aditivos nem silicones)

Anónimo disse...

ai, Seila da minh'alma! Chega uma criatura aqui para te dizer que já respondeu à tua pergunta, fica logo mal disposta com os maus encontros.
Rai'partam a tinhosa.


Para ti

//(~_~)\\ um beijo da Titas

Afrodite disse...

tinhosa és tu, invejosa. Sim, invejosa desta MINHA CARINHA D'ANJO NUM CORPO ESPECTACULAR SEM ADITIVOS NEM SILICONES.


E mal educada! Disseste à Seila que ela está a escrever cada vez melhor, disseste?


Desculpa lá Seila,
§(~_~)§ beijo da Afrodite

Anónimo disse...

Agarrem-me que eu mato esta pindérica!!!!!!!!

Pindérica, copiona, ladrona e bajuladeira.
Nem sabes ler, parva.

Tu é que me ouviste dizer que a Seila escreve divinalmente e aproveitaste, para ficares bem na fotografia.

Vai mas é para o teu antro de pecado e não te metas com gente séria.

Tu desculpa-me, Seila, mas esta fulana tira-me do sério.



//(~_~)\\ um beijo da Titas

Afrodite disse...

adeus ó vait'embora, sua.... sua....sua ...... avozinha



ai Seila, com esta é que eu a matei...

§(~_~)§ beijo da Afrodite

Nia disse...

Beem...chega uma pessoa de férias e dá de caras com uma moça de mamitas ao léu!!!Já me estava a preparar para te excomungar quando de pé, me fui sentar.E fiquei sentada a ver as unhas da Ercília a ficar brancas da pressão...e fiquei também com ela a espreitar por baixo para ver se os pássaros ou as flores lá tinham ficado.Depois vi o rapazito a olhar para a Ercília.Ia para lhe dizer:
-Ó miúdo, que estás tu a olhar para o decote da...travei , surpresa.Nenhum som saiu de mim.Dei comigo a ter um sorriso cúmplice com o olhar do moço.Aquele olhar e aquele decote tinham a pureza da 3ª classe.Estava tudo explicado.

Conceição Paulino disse...

belo texto de memorias. Passa lá por casa (post de 10 de Set.) precisamos de ti. Bom f.s.Bjs e;)

Alberto Oliveira disse...

No meu "Papel de fantasia" é que nunca se embrulharam, toicinhos, chuoriças ou banha. Que este é um papel muito fino, dos tempos modernos, das grandes superfícies e dos computadores tridimensionais e outras maravilhas que tais.

O teu conto é muito interessante, sensível e humano.

A imagem da menina, também é muito "humana"; tanto, que eu prometo vir aqui mais vezes...ler-te.

segurademim disse...

Conheço os gestos, as técnicas de utilização do papel de vegetal...o decalque dos desenhos nos tecidos! os teus textos têm o condão de me transportar para lugares, não espacialmente longinquos, temporalmente sim... bj

Viuva Negra disse...

belo texto sem dúvida ...

Anónimo disse...

Posso terminar aqui, ou continuar, mas advirto os leitores mais atentos, que todos os movimentos narrativos se vão engalfinhando de tal forma que, principalmente para mim, seria preferível terminar neste ponto, porque farão um juízo totalmente diferente do narrador a partir daqui, pela sua agressividade contida nas cenas que se desenrolarão... Que poriam, qualquer dos seguintes filmes; Emmanuell, Último Tango em Paris ou Atracção Fatal, perfeitamente escandalizados com a sua continuidade. No entanto, ficará ao vosso critério mediante comentário plausível pela continuação do mesmo, ilibando desta forma, qualquer má interpretação gerada pelo narrador. E muitíssimo obrigado pela vossa disponibilidade por me terem lido. Não havendo qualquer alusão nos comentários considera-se aceitação total para o desenrolar da história ficando o narrador livre de lhe dar continuidade com o fim a que se propôs! Mesmo que não comentem, entendo. Entendo o cérebro humano perfeitamente, levando por vezes a um entendimento unicamente puritano, fazendo parte integrante apenas nos vossos pensamentos imaginários, recalcando assim, os seus mais primitivos instintos sexuais... Bolero Ouvir - Obrigado!

mjm disse...

Tu a fazeres 'destas coisas' és genial, minha linda! Um ganda thks pelo momento!
Lindo! Lindo!

Quem sabe... disse...

-Hummm....que agradavel surpresa...
Adorei todo o blog, mas ainda mais deste texto, lindissimo.
Se não te importas, gostaria de te linkar ao meu, para voltar cá, mas direta, sem me perder no caminho :)
Bjts

sotavento disse...

Podia falar sobre o papel em si ou, quiçá, sobre a foto mas só me apetece dizer que também tenho muuuuuuuuitas saudades do Porquinho!... :(

Amaral disse...

Que saudades da tua escrita! Que maneira peculiar de deixares escorrer as tuas estórias…
Tal como o ar inocente do teu menino da 3ª.classe…
Tal como a tua Ercília, bonita de vida, deslumbrante de ser…

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

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ai meu Abril, meu Abril...




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"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
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