sábado, 25 de junho de 2005

o dedal

O dedal caiu de novo. Parecia vivo o demo do objecto. De cada vez que o tentava enfiar no dedo anelar como assim aprendera amparando o dedo do forçar da agulha no tecido. De cada vez, ele caía e findava desaparecido. Ia encontrá-lo no lugar nenhum em que supusera. E só depois de um grito desesperado de estupor se lhe calar. Um grito que a ser, acordaria, a uma hora tardia como era aquela em que cosia na camisa o bordado. Pedira-lhe a filha. E arreliava-a aquela coisa do dedal. Ela que pensara fazer aquele serviço em menos tempo e, afinal, ali estava já a lua era um ponto no céu, muito lá em cima, depois de se ter apresentado redonda e rosada mal o sol se escondeu. Logo naquela noite, se lembrara de ficar dando aqueles pontos com o dedal endoidado de escondidas e saltos. Na noite de um dia em que ele chegara mais cedo. Ele sempre entrava no banho directo da fazenda. Por lá se ficava ronronando. Hoje, como habitual, chamara-a. Ela demorara-se no ir. Esperara novo chamar. Fizera charme, como um destes dias lhe dissera, de covinhas na cara, a sua menina. “Mãezinha, tu fazes tão bem o teu charme.” Pois que assim fosse. Fizera outra vez esse tal de charme. Era assim. Era como sempre fora. Ela tardava. Ele chamava. Ela demorava mais um niquinho. Sempre ia deixando ele esperar. Ele batia na água. Molhava a saia dela. Parecia brinca de meninos. Ela sabia que não era, não. Rolavam molhados e riam. Riam muito.
Pensava e ia dando pontos miudinhos para prender o bordado. De repente, exclamou um apre muito agudo. Um fio fininho escorria-lhe do dedo. Apenas um toque da agulha. Ela olhava o tecido embebendo. Assentou os tecidos na mesa e apertou o dedo com um pedaço de trapo. Não percebia porque se sentia tão bem com aquele fio de sangue a correr pelo dedo, encharcando os tecidos, sujando a blusa. Ela se parecia que vinha descendo de uma nuvem. A luz da lua entrava pela sala numa nesga da janela grande. A luz do candeeiro mal se apercebia. Apagou-o. Abriu de par em par a janela. O trapo caiu do dedo. Caiu-lhe o vestido. Devagarinho, quase numa dança, entrou no quarto. Aconchegou-se ao corpo dele.
Ele envolveu-a nos braços e, num sorriso que só a lua viu, tirou-lhe o dedal do dedo.
Ela teve acerteza que a luz da lua estava muito quente nessa noite
.

9 comentários:

Å®t Øf £övë disse...

Amiga,
Vim ler-te e desejar uma boa semana.
Bjs.

wind disse...

LIndo:) beijos

agua_quente disse...

Delicioso o pormenor do dedal! Só tu... :) Beijos

lique disse...

Garanto-te que, nessa situação,eu diria uma asneira muito maior que "apre!". Ainda por cima logo no dia em que ele chegou mais cedo... Malvado dedal! :)) Beijão

Raelma Mousinho disse...

belo e quente como uma poesia em prosa.. adorei! bejos =) Rah

bertus disse...

...sempre achei que os dedais eram um objecto insignificante; que serviriam apenas para quem cose não se picar na respectiva agulha. Afinal estava redondamente equivocado! Também "servem" para...bom, mas isso explicaste tu melhor do que eu certamente explicaria...apre!

Abraço amigo.

bertus disse...

...inda agora estive a falar de ti no blog da Nia e quando chego ao meu blog vejo lá aquela lindeza de comment...
A rapariga (Raquel) é capaz de pensar que eu sou o Monstro da Lagoa Negra...e que como criancinhas ao pequeno almoço ...eheheheh

Nilson Barcelli disse...

Mais uma linda história nos contaste.
E como só tu o sabes fazer...
Beijinhos e bfs.

Anónimo disse...

Gostei disso!!!
Passando pra desejar um ótimo final de semana, tô com SAUDADES!!!

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein