sábado, 16 de abril de 2005

anos


Voltavas da tarde na eira. O vestido debotado volteava de lilás em teu redor. A brisa soltava dele florinhas. Voltavas vestida com um simples e velho vestido lilás com flores miúdas rosadas. As florinhas, sopradas pela brisa, faziam grinalda em teu andar. Era um fim de tarde de Agosto. Um muito ao fim da tarde quando as sombras se esbatem e ficam muito atrás das gentes e das coisas. Era uma hora em que os corpos vão deixando de fazer sombra. As mangas do vestido eram um balão muito pequenino. O elástico dentro da manga que fazia que ela fosse dita manga de balão, quase encostado ao ombro. O braço, os dois braços, ficavam sem vestido. Os dois braços ficavam muito braços entre a manga e o pulso, passando pelo cotovelo aguçado, tão rosado como o resto da pele. E os pelos loiros brilhavam na luz do fim daquela tarde de Agosto. Tão loiros eram, ainda mais brilhando, os cabelos de caracóis meio cobertos pelo lenço azul atado displicente por um nó. Um lenço na cabeça atado com um nó sobre a nuca muito branca. Como era branca a pele da nuca ali onde o nó segurava o lenço e onde poderia alguém tocar ou simplesmente ver, confirmar, a brancura, alguém a quem permitisses que levantasse devagar os caracóis aí dependurados. O loiro, esse, a gente consegue descrever por comparando ao folheado das maçarocas secas que desfazias na noite de há quatro dias naquela mesma eira de aonde agora vinhas. Ficavam-te na mão as maçarocas de cor divina e de quando em quando ou num quase nunca mais, gritavas tu, que outro já fizera, milho-rei. Vinhas da eira ao fim de uma tarde assim como descrevi do que eu me lembro. A brisa soprava em inverso sentido do teu andar. Por este acaso de vento leve que sopra no sentido da eira, eu quase via teu corpo sob o vestido lilás. Os seios. O redondo do ventre. As coxas. Calçavas aquelas sandálias de cabedal entrançado em tiras sobre o peito do pé. Os dedos, quatro deles, livres volteavam ao teu andar. Dançavam, os dedos nas sandálias. Dedos brancos apesar do pó da terra. Assim te via eu sentado no beiral de cima da fonte. Muito sentado olhava a menina Tinhas quinze, dezasseis?!
Em cada mão trazias uma outra apertada. Uma mão pequenina dependurada de uma criança. E eu via três meninas. Eu via a ti menina . no dia dos teus vinte e cinco anos. Hoje. Quando vinhas, em contra brisa, da eira, trazendo, em quase brincando que ias, uma em cada mão as tuas crianças. E eu só via, dependurado, olhando, do beiral da fonte, a menina andando, quase que voando, de me fazer a mim pelos céus me ir, naquele riso de descuido ao passar na fonte, com um sonoro e quase trinado “Deus te salve, António!”

7 comentários:

wind disse...

Mais uma vez um texto espectacular, visualizado ao "milímetro". Parabéns e continua como estás a escrever cada vez melhor:) Beijos

Unknown disse...

Só para te dizer que amanhã, hoje porque já passa da meia noite, faz 50 anos que morreu Einstein. queres fazer alguma coisa?
Esqueci-me de te avisar. agora é que dei por isso.
Beijinhos

Nilson Barcelli disse...

Adorei o teu conto.
Fizeste-me lembrar das minhas esfolhadas, em que eu pouco esfolhava porque me estavam sempre a sair espigas vermelhas, as do milho-rei, pois tinha sempre umas quantas guardadas para a ocasião (não me chames nomes feios, porque há fins que justificam os meios...).
Ainda hoje gosto de dar beijinhos e, se calhar, a propensão brota da minha meninice, dos meus 15 ou 16 anos, quando ainda o trabalho agrícola era uma festa onde todos ajudavam.
Vi as imagens que foste criando como que se as vivesse, de tão reais, de tão cinematográficas que são.
Beijinho (mesmo sem espiga...)

Ana Russo disse...

Que texto tão bonito !! E ainda não apatreceste na minha nova "aldeia"... :( Bj. Penelope

Micas disse...

Gostei imenso deste texto, segui todas as cenas ao pormenor como se estivesse a ver o filme. Bjs e boa semana

bertus disse...

...podes crer que não me esqueci da "tua escrita" mas tenho tido tanto que fazer que nem imaginas! Ando num virote e mal tenho tempo para vir aos blogs.

Fica bem intés!!

Amaral disse...

Continuo a pensar que as tuas histórias são d'alguém que está habituada a escrever. São textos extraidos das coisas do dia-a-dia, dos momentos da vida do povo humilde e simples.
Não terás já livros publicados por aí???

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein