segunda-feira, 7 de março de 2005

degraus...

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Era uma pedra enrugada. Teria, em muitos tempos idos, sido uma lisa placa de marmoreada pedra, arroseada de cor, com listes de cinza muito ténue. E, porque era um local de passar o pé para o de dentro da cozinha, talvez nunca fora bem um degrau. Talvez fora um degrau de mármore, apenas para um alguém que dele fez a sua vez primeira. Talvez tenha havido para alguém um dia inicial Dia, de um dia, parabentar. Dia de relembrar, passando que fosse o moço, envelhecido já, a comoção mostrando-se a ele no dobrar que a língua se lhe fazia como se fora uma peça estranha, ao dizer ao neto: “aquele foi o primeiro degrau que o avô assentou”. A gente sabe lá que pode estar de sentir ligado a uma pedra tão de pisar que nem já lhe chamam o nome, como o que esta tinha – degrau. Mas, para um assentador, um moço de robusto dorso e mãos ainda apenas a ajeitar-se ao virar do cabo da colher da massa para dar aquele final toque que fazia que o degrau estivesse agora ali, a crer nisto que é da imaginação que pode tudo se se deixar andar, podia ser aquele degrau, um degrau com história. Que mais não seja, a história de ser o primeiro degrau que colocou aquele moço na sua, e continuamos a supor, que seria longa carreira de os vir a assentar.
Hoje havia a pedra enrugada que descrevemos e supusemos e havia Marília. E entre os dois uma queda. Ainda não dissemos. Uma Marília que tropeçava na pedra enrugada. Uma Marília um dia, comprara aquela casa enorme rodeada de ervas. Comprara a casa por... devido a .... pelo gosto de... comprara por aquela corrosão estranha que sentira; um aquilo que nunca sabia, quando assim se dava de se lhe aconchegar, se era mesmo ela lá num seu de interior, se era um de outro ser de uma outra vida, como a avó dizia que seres nos entravam; assim mesmo dizia a avó de Marília – seres que nos possuíam. Era este mesmo o termo que empregava – possuíam.
Certo é que Marília comprara a casa pelo sobreiro que nunca outro daquele porte nunca vira. E, no dia primeiro que o viu dependurando rama sobre a chaminé da casa, tinha metade dele em cinzento grosso e a outra metade lisinha de um acastanhado que não sabia na ocasião, e também não encontramos nós agora designação para dar à cor, mas há cores que são assim...não se deixam chamar. E o sobreiro parecia gente acabada de sair de banho em meias vestes. Isto, apesar, Marília lembra bem, de ser de frio com sol, o dia aquele em que, nem sabe bem quem foi, se ela se outro incarnado ser em si, decidiu que a casa seria para ela viver dali até a uma sepultura ou, sabia ela lá como seria, o acabar da vida daquela Marília ali embevecida.
Marília comprou a casa, a erva, o sobreiro e... o degrau.
E hoje, agora que estamos a seguir a história, Marília estatelou-se de cima daquele minúsculo desnível de pedra...o degrau da cozinha. Foi como “o degrau da cozinha” que ficou sempre conhecida a pedra que, talvez, isso a gente não sabe, tenha sido a primeira assente por um rapaz que depois foi, terá sido, avô.
O que sabemos é que esse degrau estava agora muito rugoso, muito desgastado, muito sem aquela posição horizontal que, talvez, tenha sido resultado de um primeiro toque que passou a ser de mestre, dado com o cabo da colher de massa por um rapaz que se estreava na arte de colocar pedras que passariam a servir de para subir e para descer, para entrar e para sair e que, neste preciso descrito, também servia de local de queda.
O degrau, por desgaste ou descuido de vir a tal de Marília a correr, servia, neste momento, para alguém se estatelar.
E o alguém que caía, no degrau que fora pedra, presumível primeiro degrau assente por um moço futuro mestre de colocar degraus, que mostraria a um neto o local da sua obra primeira com a comoção a enrolar-se na língua, o alguém era Marília.
Marília. Uma mulher linda rondando a idade de ser uma avó. Marília que não era avó, nem seria, porque dela não brotara vida senão a que ela possuía em rodos que a faziam se alevantar de um pulo e prosseguir a corrida mesmo que depois de caída do degrau.
E, cheia dessa vida que não passara a outro alguém que de seu filho assim se chamaria, gritar de um vozearia que era uma das vantagens de a casa e o sobreiro ficarem no de longe de outras casas.
O grito de Marília, era um grito com nome de homem. O homem que corria de encontro ao apelo contido no grito de Marília, logo a seguir ao ela se estatelar no degrau da cozinha, sorria sempre que contava ter sido de seu ido avô a profissão fazer escadas de pedra. Escadas de pedra degrau a degrau.


Foto do querido Ognid que contém a imagem linda amalgamada com a sua enorme paciência para aturar aqui a Seila

9 comentários:

Anónimo disse...

subo a tua escada para te dar uma rosa e
//(º_º)\\ um beijo da titas

Unknown disse...

Fantástico! Valeu a pena o sofrimento para fazer a fotografia :P Sota ajuda aí! Beijo grande, marafada.

Nia disse...

Gosto desse degrau "pintado" com imagem e com palavras. ..as tuas.
Sei lá porquê sinto o rabiosque fresquito e aconchegado nesse degrau, numa tarde Verão.Que sempre preferi sentar-me assim do que em cadeiras almofadadas e altas.Para além de ser a obra primeira do "avô"e a queda da Marília...agora fica também a ser, o degrau aconchegador e fresco do rabiosque da Nia, num entardecer qualquer de sol, de Verão e de sandálias.

Nia disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Nia disse...

Gosto desse degrau "pintado" com imagem e com palavras. ..as tuas.
Sei lá porquê sinto o rabiosque fresquito e aconchegado nesse degrau, numa tarde Verão.Que sempre preferi sentar-me assim do que em cadeiras almofadadas e altas.Para além de ser a obra primeira do "avô"e a queda da Marília...agora fica também a ser, o degrau aconchegador e fresco do rabiosque da Nia, num entardecer qualquer de sol, de Verão e de sandálias.

Anónimo disse...

Um conto muito belo, escrito numa ternura rugosa, comovida com a beleza de gentes que evocam várias pessoas a cada um de nós...

Anónimo disse...

Mais uma vez me encantas e me fazes pensar nessa cena que pintas da queda de Marília. E o degrau, olha vou aqui sentar-me nele. E ler-te outra vez. Beijão.

BlueShell disse...

Muito gratificante vir ler-te, sempre. E...olha eu ali em cima... MUITO OBRIGADA POR ESTE MIMO:...adorei...
O meu coração aberto para ti, amiga,

BShell

folhasdemim disse...

Lê-se de uma golfada apenas este texto que sabe a poema de tão suave e enternecedor que é. Fiquei com vontade de ter um degrau assim. Pleno de recordações. Beijos, Betty :)

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

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ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
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