quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

Sala de espera

Estavam todas sentadas. Cadeiras em quadrado. Uma escapava a esta geometria. Uma estava encostada num recanto que deixava uma viga mal planeada. Eram mais de vinte. Trinta cadeiras em quadrado e uma delas escondida por detrás de uma viga. Todas as cadeiras ocupadas. Digo com isto que em cada cadeira estava sentada uma pessoa. Em todas não. Naquela desviada do quadrado que as outras faziam em redor da parede com umas quatro portas de permeio, nessa, estavam sentadas três pessoas. Três pessoas na mesma cadeira: aquela que estava desviada desalinhando o quadrado. As cadeiras com as pessoas sentadas estavam numa sala onde haviam quatro entradas e uma entrada e saída. Explico com mais preciso entendimento para quem não viu. A sala tinha uma porta de vidros que badalava para cá e para lá deixando entrar e sair. A sala tinha mais três portas de madeira pintada de amarelo com dedadas pretas na zona de alto abaixo de onde se fechavam. Essas três portas estavam fechadas. Eram portas de entrada. Há cerca de duas horas cada uma das trinta pessoas sentadas tinha visto abrir em intervalos de meia hora uma pessoa em cada uma das portas. Eram, assim, três portas de entrada do ponto de vista, sempre relativo, de cada uma das pessoas que estavam sentadas. Disse trinta. Eram trinta e duas. Numa das cadeiras estavam três pessoas na mesma cadeira. Assim eram trinta e duas pessoas sentadas em trinta cadeiras em volta de uma sala que tinha quatro portas. Uma porta de vidros que desde que elas estavam havia três horas ali sentadas tinha ficado, como as outras três, fechada. Por essa porta entrava a luz do dia. Uma luz coada que dito assim pode parecer poético. Não. A luz coada era-o pelo sujo dos vidros e mais era também pelo facto de haver em frente um muro alto. Por via de estar a sala assim iluminada pela luz do dia, tinha no tecto acesas duas lâmpadas grandes que produziam aquilo a que se chama uma luz crua. Na sala em que estavam aquelas pessoas havia outra coisa evidente para quem, saindo ou entrando, aparecesse. A sala estava ocupada por trinta cadeiras com trinta e duas pessoas e ainda ocupava-a em todos os recantos e mesmo nas paredes e mais ainda em cima do rosto de cada uma das trinta e duas pessoas, alguma coisa que não se via, mas estava, vos garanto, por todo o lado. Na sala havia silêncio. A cadeira atrás da viga que distorcia o quadrado da sala por lapso ou por plano concebido a preceito, tinha, como disse, sentadas três pessoas. Uma estava realmente com o corpo encostado na cadeira. Essa estava sentada na cadeira. Outra estava no colo tão encolhida que mais parecia ser parte integrante da sentada. A terceira pessoa daquela cadeira ocupava dela apenas um recanto. Estava meio encostada. Notavam-se duas pernas esticadas de um corpo que não teria ainda mais do que seis anos de saber o que era estar sentada ou encostada. Então, na sala, havia, mais precisamente, trinta adultos e duas crianças. Estavam todas sentadas ou ao colo, ou encostadas, há mais de duas horas. E estavam nesse tempo cobertos de um quase visível silêncio. Como já disse, o silêncio ocupava tudo e todos na sala.
A cara de alguns mostrava que eram gente grande e gente velha e gente jovem e gente vestida de gastas roupas e gente alguma com falta de dentes e gente com mãos de unhas roídas ou enegrecidas. Eram então pessoas de idades diversas e desapossadas de teres. Uma ou outra das pessoas tinha na mão um lenço, um papel escrito amarrotado, uma mão que tremia, um jeito de quem dói a posição de estar sentado. Havia uma com uma perna enorme avermelhada na canela. A pessoa que tinha a criança no colo, era mulher e nova e linda. Essa mulher, de quando em vez, quebrava baixinho aquele silêncio. Sussurrava ao ouvido do menino seu filho encostado que estivesse quietinho que o senhor doutor já vinha. De quando em vez era o silêncio quebrado por um espirro ou uma tosse, ambos recolhidos pela mão frente ao rosto quase a medo.
Nesta sala de repente ficaram vazias a maioria das cadeiras e uma fila de pessoas que estavam sentadas movia-se falando numa cadência que diria que cantavam dizendo não há direito não se admite. A mulher do canto segurou a mão do corpo que deixou de estar encostado. Na outra mão agarrou um saco e encostou ao seu o corpo que tinha ao colo. Olhou em frente. Os olhos grandes lindos. Levantou-se. O silêncio estalou como um estrondo. Duas pessoas tombaram numa só naquela zona da sala quadrada em que a viga escondia a cadeira em que estavam três pessoas.

21 comentários:

BlueShell disse...

Só disse à Blue; digo-te agora a ti: vou sair!
Passei para deixar um enorme beijo e o meu muito obrigada por tudo. BLUE SHELL

JPD disse...

Olá!
Uma sala de espera é sempre uma sala de desepero.
E se a vez de cada um for uma enorme espera então não haverá quadrado que estabeleça a paridade ou deseperado que desiquilibre essa tentativa. Mesmo que esse omaginado «círculo» se sujeite à quadratura do quadrado, passe o plionásmo.
Bjs

Sofia disse...

Não tendo nada a ver com o teu post:
* Parabéns atrasados :-)
* Muito obrigada pelos comentários de amizade que deixaste no meu blog e foste eleita a blogavó do ano :-)
* Adorei a cegonha que colocaste aí ao lado :-)

Beijos aos molhos,
Sofia e Afonso

bertus disse...

...estou de partida, mas volto mais logo, para ler e comentar o teu post. É com muita satisfação que "vejo" por aqui o meu amigo JPD. Os meus amigos, teus amigos serão...
e assim que se diz?! mas... fazer horas extraordinárias (serão) a estas horas...Prontos, não ligues...
Intés logus!!!

Anónimo disse...

Os pobres que (des)esperam por uma pobre consulta têm salas de espera assim pobres - mas a pobre sala de espera está ricamente bem descrita...
Ao contrário do que está escrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem, as pessoas nascem, vivem e... curam as doenças de uma forma desigual.
Um abraço
Ana
http://a_verdade_da_mentira.weblog.com.pt/

Nia disse...

Silêncio de arrepio...cheira-me a doença , a desinfectante....mas...ehehehehhehe! Que bem que me fez aquela queda monumental com aquele estrondo todo!Haverá sempre um desiquilíbrio...umas vezes para mal...outras vezes para bem!:)

Anónimo disse...

Eu detesto salas de espera. Odeio. Conseguiste escrever aquilo que sinto quando estou numa. Horror. Escreves muito bem, minha amiga. Beijos.

Anónimo disse...

Pois minha amiga, acabo de receber de volta o 2º mail que te enviei hije. Queres fazer o favor de despejares a caixa do correio?
Tem um bom fim de semana. Beijo ;)

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
lique disse...

Hoje o teu texto deu-me um daqueles estranhos arrepios que se sentem quando alguém fala de coisas que também pairam (planam, ficam paradas) na nossa cabeça. Além de muito mas muito bem escrito, o teu texto insere-se numa realidade da qual tenho andado demasiado próxima ultimamente. E dói. Beijão, mulher.

bertus disse...

...venho cá outra vez como prometi, mas quase que me apetece escrever, como "visita de médico" (o que está em consonância com o teu belo post) pois que me deu uma sonolência daquelas valentes...
Mas antes quero dizer-te que conseguiste com este texto escreveres uma peça de teatro. O teatro do real, sem cenários pintados e com pessoas/actores de carne e osso dentro desse cenário. E dispuseste-as a teu belo prazer, com as suas dores e injustiçadas pela espera. Quem te ler, está aí, no espaço que desenhaste a assistir à dramaticidade criada; está e é uma das pessoas que se indignam...ou que encolhem os ombros.
Tu és uma grande observadora do quotidiano. Também gosto de ti por isso.
Abraço e intés!!

wind disse...

Texto descritivo, forte, pesado, mas escrito de uma maneira magnífica! És demais:) beijos*

Sonia Almeida disse...

Será que ainda venho a tempo de te dar um grande beijinho de Parabéns?
Agora com o trabalhinho tenho andado arredada da minha visita de blogs amigos...
Mas vim cá para te dizer que a FundaSão não é criação minha, nem nada que se pareça, mas a São, que é a dona do blog, convidou-me para escrever por lá e eu aceitei.
beijinhos e bom fim de semana

Luís Almeida Fernandes disse...

Prefiro ver esse silêncio pesado como um manto discreto que cobre uma infinidade de pensamentos profundos vindos de mentes habitualmente fúteis e discretas.
A única maravilha da aborrecidíssima espera silênciosa é a sua capacidade de motivar a introspecção.
Gosto muito da tua escrita.

AnaP disse...

As salas de espera são desesperantes... E depois, para cúmulo de tudo, nessas salas de espera uma pessoa até nem está no seu melhor, até está no seu pior... não dá para aguentar!
Um Beijinho muito grande!

BlueShell disse...

Muito BOM. Ontem estive 10 horas na sala de espera do Hospital...sem ´notícias do estado do meu pa...e este texto diz-me muito...Beijo, BS

mfc disse...

Comentário de um médico meu amigo, aqui há uns anos.
- Sabes, hoje de manhã fui visto por 35 doentes!

Manuela Neves disse...

Não é preciso fazer LINK. Pode estragar. E não é necessário.
ESTÁ LINDÉRRIMO. Endoidou. Eu às vezes também.
Mas depois de conseguir vale a pena né????
UM ABRAÇÃooooo e BJJJJJSSSS.

saltapocinhas disse...

É por essas e por outras que eu evito salas de espera... Felizmente tenho conseguido!

sotavento disse...

Uma vida devia ser tão valiosa... no entanto, vale tão pouco para quem tem o poder!...

Anónimo disse...

bom comeco

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein