As vozes
dizem que é um limbo entre a alma lhe deixar o corpo e ser ainda gente.
E que
Deus a resguarda neste estar terreno.
Que Deus
sabe, propalam.
E eu pergunto:
que quer, assim, um Deus Todo Poderoso de um seu acólito.
Que os
mecanismos da engrenagem se tenham avariado e que, disso, tenha resultado esse
desconcerto, isso, eu percebo e, embora me custe que tenha ficado, assim, sem
jeito de poder revelar-se como gente, de todo o modo, aceito.
Que o meu
pasmo é ante aqueles que vêem Deus agindo, o Espírito actuando e a Alma
buscando o seu domínio, ali, onde eu vejo apenas células que definham, células
que nenhum sangue irriga e circuitos eléctricos que, por curto-circuito ou de
outro modo, deixam de transmitir mensagens ou que, se as transmitem, é sem nexo.
Cabe Deus
nisto, interrogo.
E a alma está
enfiada onde?
Espírito,
ainda balbucio, e fica-me um imenso espanto, que eu vejo interacções complexas,
coisa digna, sim, de deuses, mas não é neles que encontro resposta, e espírito, não, não vejo, não sinto. E mesmo a emoção, mesmo essa, eu a reporto a condições de energia, de forças: campos de umas e outras resolvendo-se num ter pena, ou dor, ou num chorar
a gente de cara lavada. E assim, tal e qual, com os afectos, e pena e tristeza
e alegria e as falas que aprendemos, e mesmo a criatividade numa tela ou numa página
de escrita matemática.
E se digo “estados de alma”, “estados de espírito” é apenas por retórica, pura literatura,
modo que terá ficado dos ancestrais que nem sequer imaginavam que éramos
fígado e rins, sequer vagina e útero e esperma de onde vínhamos, quanto mais
que éramos um cérebro que comanda e recria.
E se
interrogo: mecanismo que somos, ainda assim, tão perfeito, quem o terá
criado, respondo-me alijando disso um
Criador primeiro, antes dizendo deste modo: que condições, de energia e outras,
terão acontecido no universo para que surgisse, paulatino, vagaroso, nem sempre
tão inteligente, nem sempre tão perfeito, nem sempre tão capaz de inovação,
este homem que hoje somos?
O sopro de um
Deus em estátua de pedra soa bem e faz poesia, calha bem na imagem que gostamos
de ter do homem protegido por um Deus, ou deuses que seja, desta contingência
de nos pensarmos gregários, amantes e amados, e até criadores de outros, e
sermos afinal tão solitários.
Que a solidão,
sim, essa domina. Solidão é o mais que acontece nestes momentos de interrogação
e espera. A solidão jogada sobre a gente com a poeira cósmica.
Solidão, e a
certeza que é na obra que nos transmitimos. Nos riscos, nos telhados erguidos,
nas árvores plantadas, nos poemas lavrados. É na obra que somos. No mais,
perecemos, mesmo se gravados no coração dos outros como afirmam as vozes.
3 comentários:
É iso mesmo e é tudo:)
Beijos
Desejo-te um excelente Natal:)
Beijos
Passei por aqui para te deixar um abraço pelos 11 anos do Repensando.
Efectivamente o Facebook afastou-nos destas leituras. Mas ele é tão veloz na partilha que quando lá entramos muita coisa aconteceu e passou ao nosso lado.
Por lá deixei um comentário. Aqui não consegui comentar por isso cito-o aqui:
Parabéns!
O meu mais antigo blogue fez 12 anos no passado Dezembro; em Abril o "Menina Marota" fez também 11 anos. O bichinho da escrita, da partilha, continuam a morar cá. Claro que o FB veio mudar (e muito) a partilha. Mas os blogues são a minha paixão e continuo neles. Não com a mesma frequência de antes porque a vida também muda e a realidades sobrepõe-se a paixões. Mas ainda moro neles.
Abraço-te. E a todos que nos acompanharam estes anos que nos foram tão queridos.
Bjo
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