quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

poeiras

As vozes dizem que é um limbo entre a alma lhe deixar o corpo e ser ainda gente.
E que Deus a resguarda neste estar terreno.
Que Deus sabe, propalam.
E eu pergunto: que quer, assim, um Deus Todo Poderoso de um seu acólito.
Que os mecanismos da engrenagem se tenham avariado e que, disso, tenha resultado esse desconcerto, isso, eu percebo e, embora me custe que tenha ficado, assim, sem jeito de poder revelar-se como gente, de todo o modo, aceito.
Que o meu pasmo é ante aqueles que vêem Deus agindo, o Espírito actuando e a Alma buscando o seu domínio, ali, onde eu vejo apenas células que definham, células que nenhum sangue irriga e circuitos eléctricos que, por curto-circuito ou de outro modo, deixam de transmitir mensagens ou que, se as transmitem, é sem nexo.
Cabe Deus nisto, interrogo.
E a alma está enfiada onde?
Espírito, ainda balbucio, e fica-me um imenso espanto, que eu vejo interacções complexas, coisa digna, sim, de deuses, mas não é neles que encontro resposta, e espírito, não, não vejo, não sinto. E mesmo a emoção, mesmo essa, eu a reporto a condições de energia, de forças: campos de umas e outras resolvendo-se num ter pena, ou dor, ou num chorar a gente de cara lavada. E assim, tal e qual, com os afectos, e pena e tristeza e alegria e as falas que aprendemos, e mesmo a criatividade numa tela ou numa página de escrita matemática.
E se digo “estados de alma”, “estados de espírito” é apenas por retórica, pura literatura, modo que terá ficado dos ancestrais que nem sequer imaginavam que éramos fígado e rins, sequer vagina e útero e esperma de onde vínhamos, quanto mais que éramos um cérebro que comanda e recria.
E se interrogo: mecanismo que somos, ainda assim, tão perfeito, quem o terá criado,  respondo-me alijando disso um Criador primeiro, antes dizendo deste modo: que condições, de energia e outras, terão acontecido no universo para que surgisse, paulatino, vagaroso, nem sempre tão inteligente, nem sempre tão perfeito, nem sempre tão capaz de inovação, este homem que hoje somos?
O sopro de um Deus em estátua de pedra soa bem e faz poesia, calha bem na imagem que gostamos de ter do homem protegido por um Deus, ou deuses que seja, desta contingência de nos pensarmos gregários, amantes e amados, e até criadores de outros, e sermos afinal tão solitários.
Que a solidão, sim, essa domina. Solidão é o mais que acontece nestes momentos de interrogação e espera. A solidão jogada sobre a gente com a poeira cósmica.

Solidão, e a certeza que é na obra que nos transmitimos. Nos riscos, nos telhados erguidos, nas árvores plantadas, nos poemas lavrados. É na obra que somos. No mais, perecemos, mesmo se gravados no coração dos outros como afirmam as vozes.

3 comentários:

wind disse...

É iso mesmo e é tudo:)
Beijos

wind disse...

Desejo-te um excelente Natal:)
Beijos

Menina Marota disse...

Passei por aqui para te deixar um abraço pelos 11 anos do Repensando.
Efectivamente o Facebook afastou-nos destas leituras. Mas ele é tão veloz na partilha que quando lá entramos muita coisa aconteceu e passou ao nosso lado.
Por lá deixei um comentário. Aqui não consegui comentar por isso cito-o aqui:

Parabéns!
O meu mais antigo blogue fez 12 anos no passado Dezembro; em Abril o "Menina Marota" fez também 11 anos. O bichinho da escrita, da partilha, continuam a morar cá. Claro que o FB veio mudar (e muito) a partilha. Mas os blogues são a minha paixão e continuo neles. Não com a mesma frequência de antes porque a vida também muda e a realidades sobrepõe-se a paixões. Mas ainda moro neles.
Abraço-te. E a todos que nos acompanharam estes anos que nos foram tão queridos.

Bjo

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

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ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein