Imaginá-las rosadas, as
saias e as botinas e os lenços floridos – mantilhas nos dias de ver a Deus ou
pela festa
Imaginá-las com ama de leite,
e criada de dentro, e criada de fora, e mais a cozinheira, e o rapaz que conduz
a parelha de bestas à frente da charrete, e o moço que ajuda a tratar dos
animais
Imaginá-las com um filho,
dois, três e mais – os filhos nascendo, um a seguir ao outro, e elas sem
receber marido não se vá nisso coalhar o leite – as crenças maiores do que as
verdades!
Imaginá-las criadas de
servir e não senhoras, um quarto no saguão, esconso, húmido, e a cozinheira
velha a fazer orações e a impor normas ainda mais do que as que lhe impõem os
patrões, e nem um segundo que dissesse seu senão, de quinze em quinze dias,
metade de um domingo, e a mãe a pedir que arrecade para os muitos irmãos
Imaginá-las costureiras e preceptoras...
Imaginá-las que posam para
pintores – homens, sempre homens...
Imaginá-las a parir em casa
e nem água corrente, nem água aquecida que não fosse em panelas, e seriam outras
mulheres a enchê-las, a tomar conta que ficasse no ponto o banho, e seria um
banho por semana e o mais como seria lavado, e a que cheirariam estas mulheres
se não fossem as defumações e as ervas, perfumes que entranhassem fedores, e as
criadas delas cheirariam a peixe frito e a mijo a servir à mesa (?)
Imaginá-las doentes e sem
mais remédios que cataplasmas e chás quentes, tisanas, infusões ou aplicação de
ventosas ou sangramentos se o caso fosse mais grave
Imaginá-las de amores pelo cocheiro,
um rapaz bem posto e nem por isso assim tão pobre, e a mãe a casá-las com o
sobrinho do padre, e elas descobrindo na noite, sempre e só na noite, o marido que lhe deram e se esgueira para a função sem arte ou as desvirginda grosseiro e bruto
Imaginá-las censuradas nos
olhares que fosse, dissimuladas, elas, sempre, para poderem acreditar-se
Imaginá-las nos folhos e nas
saias e nos decotes e nas sombrinhas e nos olhares que faziam por detrás dos
leques
Imaginá-las bucólicas ?!
de vez em quando oiço: que bom que era dantes e a ouvir, pasmo, estremeço desse gabar o bucólico da vida das nossas trisavós
e deve ter sido esse incómodo que se soltou nas pontas dos meus dedos: um
niquinho só do que podia dizer a pensar no que seria o viver dessas mulheres
sorte delas que
não sabiam o quanto teriam de abastança e comodidade a suas bisnetas e trinetas que ousariam gabar-lhes vestidos e modos...
talvez desconhecendo tenham encarado a vida que levavam com um sabor realmente bucólico... algumas,
pelo menos...
e o que me
dói e lamento, é haver ainda multidões de mulheres que vivem como as nossas
tetravós,hoje, num mundo de viagens interplanetárias e internet e água quente nas
torneiras (de algumas apenas, é certo)
e nem bucolismo
que lhes valha
3 comentários:
Oh!
Acho que não entendeste bem: "que bom que era dantes" quer dizer "eu antes era novo/a, cheio de pica e de esperança e agora já não sou".
É só isto. Esse bucolismo, na realidade, não existe...
Assertivo:)
Beijos
É assim mesmo. Nada de pieguice. Excelente texto.
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