sábado, 4 de fevereiro de 2012

bucolismo ou nem tanto



Imaginá-las rosadas, as saias e as botinas e os lenços floridos – mantilhas nos dias de ver a Deus ou pela festa
Imaginá-las com ama de leite, e criada de dentro, e criada de fora, e mais a cozinheira, e o rapaz que conduz a parelha de bestas à frente da charrete, e o moço que ajuda a tratar dos animais
Imaginá-las com um filho, dois, três e mais – os filhos nascendo, um a seguir ao outro, e elas sem receber marido não se vá nisso coalhar o leite – as crenças maiores do que as verdades!
Imaginá-las criadas de servir e não senhoras, um quarto no saguão, esconso, húmido, e a cozinheira velha a fazer orações e a impor normas ainda mais do que as que lhe impõem os patrões, e nem um segundo que dissesse seu senão, de quinze em quinze dias, metade de um domingo, e a mãe a pedir que arrecade para os muitos irmãos
Imaginá-las costureiras e preceptoras...
Imaginá-las que posam para pintores – homens, sempre homens...
Imaginá-las a parir em casa e nem água corrente, nem água aquecida que não fosse em panelas, e seriam outras mulheres a enchê-las, a tomar conta que ficasse no ponto o banho, e seria um banho por semana e o mais como seria lavado, e a que cheirariam estas mulheres se não fossem as defumações e as ervas, perfumes que entranhassem fedores, e as criadas delas cheirariam a peixe frito e a mijo a servir à mesa (?)
Imaginá-las doentes e sem mais remédios que cataplasmas e chás quentes, tisanas, infusões ou aplicação de ventosas ou sangramentos se o caso fosse mais grave
Imaginá-las de amores pelo cocheiro, um rapaz bem posto e nem por isso assim tão pobre, e a mãe a casá-las com o sobrinho do padre, e elas descobrindo na noite, sempre e só na noite, o marido que lhe deram e se esgueira para a função sem arte ou as desvirginda grosseiro e bruto
Imaginá-las censuradas nos olhares que fosse, dissimuladas, elas, sempre, para poderem acreditar-se
Imaginá-las nos folhos e nas saias e nos decotes e nas sombrinhas e nos olhares que faziam por detrás dos leques
Imaginá-las bucólicas ?!




e digo eu de razões de ter escrito este texto:

de vez em quando oiço: que bom que era dantes e a ouvir, pasmo, estremeço desse gabar o bucólico da vida das nossas trisavós 
e deve ter sido esse incómodo que se soltou nas pontas dos meus dedos:  um niquinho só do que podia dizer a pensar no que seria o viver dessas mulheres
sorte delas que não sabiam o quanto teriam de abastança e comodidade a suas bisnetas e trinetas que ousariam gabar-lhes vestidos e modos...
talvez desconhecendo tenham encarado a vida que levavam com um sabor realmente bucólico... algumas, pelo menos...
e o que me dói e lamento, é haver ainda multidões de mulheres que vivem como as nossas tetravós,hoje, num mundo de viagens interplanetárias e internet e água quente nas torneiras (de algumas apenas, é certo) 
e nem bucolismo que lhes valha 




3 comentários:

mac disse...

Oh!
Acho que não entendeste bem: "que bom que era dantes" quer dizer "eu antes era novo/a, cheio de pica e de esperança e agora já não sou".
É só isto. Esse bucolismo, na realidade, não existe...

wind disse...

Assertivo:)
Beijos

Jorge Pinheiro disse...

É assim mesmo. Nada de pieguice. Excelente texto.

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein