Acordado recente de uma madrugada, três horas mal dormidas e nem copos, nem sequer orgia de comidas. Andara de rua em rua, de boteco em boteco, a dizer apareçam lá em casa que eu tenho presentes, e não tinha, que ele nem sequer armara um presépio.
Ele nem acreditava.
Nem na árvore de natal, que era coisa que nunca se fizera na casa de seus pais, e nem a avó Bia fazia sequer ideia dessas modas do norte da europa em que sobram pinheiros e abetos para cortar rente e colocar na sala com enfeites.
Dos natais passados, de há muitos anos, ele conhecia apenas as cearas a crescerem verdinhas no inverno frio. Sementes que a avó colocava dentro de latas de conserva de sardinha consumidas para matar a fome, e nunca como aperitivo em restaurante fino. E a sua mãe assim o repetira em tacinhas de plástico com florinhas. Deitavam-lhes um golinho de água, e depois havia uma fila delas espalhadas no parapeito das janelas. E quando chegava o dia de armar o presépio, serviam de erva para as cabrinhas dos pastores que tinham visto a estrela a brilhar por cima da cabana onde Jesus nascia em cada natal, desde que ele tinha entendimento, e até que perdeu de vista cristo morto, e também cristo nascido, e mais o séquito de anjos e de santos, e se tornou ateu. E nem virgem maria lhe tinha sobrado para que pedisse, nos momentos que tinha tido de aflição.
Hoje, mal acordado de um sono dormido entre agitações, abriu os olhos no escuro do quarto da sua solidão de homem dicorciado várias vezes: de papel passado, e de namoros portas adentro, e nem filhos e nem uma amante que tivesse sobrado.
O escuro do quarto desvirtuado pela luz do candeeeiro da avenida onde mora naquele segundo esquerdo de má sorte, duas assoalhadas pagas ainda ao banco, e os restos de tarecos que as mulheres lhe foram deixando.
A luz a fazer risquinhas sobre a colcha e sobre a parede por cima da cama, onde há um senhor morto com um terço dependurado.
A pouca luz que entra, é suficiente para que veja, e ele nem acredita, mas que é assim tal e qual: um pinheiro do tamanho do cano do soquete, que nem descalçou, atirando para o chão cada sapato, e deitando o corpo esfalfado sobre a cama.
Um pinheirinho de natal iluminado com luzinhas, e em volta um molho de fitas e embrulhos.
- Presentes - pensou ele, e sentiu vergonha de o ter ter feito.
Recostou-se um pouco, e o pinheirinho manteve-se erecto a projectar, para que nem restassem dúvidas que era um ser terreno, uma sombra suave entre as riscas de luz, que ele deixava sempre a persiana da janela mal fechada.
3 comentários:
Gosto
Excelente!
Beijos
Um Natal suspirado. A solidão é maior nesta época. Um paradoxo.
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