sábado, 9 de outubro de 2010

bastilhas...

Este texto é a parte final de uma crónica que escrevi há uns tempos.
Pareceu-me tão actual, tão a explicar desassossegos que andam por aí no ar, que o transcrevo.


O suor dos corpos tem um cheiro pestilento e fervilha de ódios à luz encarniçada dos archotes. Num canto, a mulher que vi esta tarde na rua. Ou quiçá a confundo: o mesmo rosto enegrecido, os mesmos ossos assomando sob a pele, a mesma criança mal enrolada num xaile de cor incerta, sujo como ela. A mesma mulher ou outra, a personificação do povo indigente que acompanhei uns instantes. Eu a tentar desviar-me do cortejo para uma rua transversal e a mulher no ritmo, que era um passo estugado, marcado pelo avançar da turba. Uma mulher com um rosto que emanava uma força estranha. Não era ódio. Era determinação em adquirir a todo o custo o alimento para os seios que ela tinha secos, que já nem chorar lhe sabia o filho. Uma mulher lutando num desespero, os olhos de um azul límpido e os lábios ressequidos a gritarem: queremos a Bastilha. E que saberia ela do que assim dizia, indago-me e sinto-me ingrato: que o homem suporta quase tudo, mas a fome, o corpo a desfazer-se, fraco, os olhos sobrando dos ossos descarnados: ver isso nos filhos, não há homem que suporte sem que se solte a besta, a essência animal da sobrevivência. 
Terá sido disso que se ergueu esta tarde o povo a derrubar o mito indestrutível..."

o mito indestrutível da Bastilha, referia o texto
mas poderá ser outro e outro da nossa actualidade
um dia destes...
ou andarei eu a fazer leituras destempadas dos acontecimentos?





4 comentários:

Mena G disse...

Também eu tenho a sensação de "um dia destes"...

wind disse...

Escritora, muito forte!
Beijos

francisco disse...

previsões

Jorge Pinheiro disse...

Eu diria que dentro de nós há uma Bastilha para tomar.

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein