Minha querida
Escrevo-te e nem sei se mando. Nem sei se ainda saberei dizer.
É muita solidão, Inês.
É muita palavra afogada na garganta, muito riso sem estalar.
O sol nasce. O sol põe-se. De um momento ao outro, nem um guincho.
O cão morreu no domingo. Morreu de não ouvir um outro.
Desde que chegamos, aprendeu: ouvia-se reflectido no mistério do eco. Mas era pouco e ontem estava morto.
É muito silêncio. Nem o vento ruge, nem se ouve o balançar de folhas. Nem um pássaro, um melro, uma rola. Nada mais que eu respirando e até me assusto quando espirro ou quando tusso. Um dia destes dei um traque e fiquei em sobressalto.
É muita solidão, Inês. Muito sossego.
Disse-te na carta que enviei na sexta-feira, que acabou a manteiga e estragou-se o último bocado de carne que enviaste? criou uma camada fina de pó branco, esverdeou de lado, e cheirava. Um cheiro a cadáveres.
O cão, enterrei-o ao lado do pedregulho: a pedra lá ao fundo. A única elevação. A que falava com ele.
Estava só pele.
Fiz um buraco fundo, demasiado largo para tão pouco corpo.
Agora o silêncio pesa-me ainda mais: entra pela roupa mais fundo do que a água da chuvada que caiu ontem à tarde.
Terei que deixar-te que está a bruxulear a luz da vela e tenho que poupar o couto.
Um beijo louco como este lugar.
Fernando
2 comentários:
Escritora, tão triste:(
Beijos
MUITO TRISTE...
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