Dona Mariana, a vizinha da vivenda ao lado, encostava-se na ombreira da porta da cozinha à espera que a tua mãe desse consentimento para levar-te, que ía comprar um pedaço de nastro. Uma desculpa que ela tinha para ir a caminho da cidade, a ver montras e andar cumprimentando um e outro.
Quando já iam saindo as duas, tu e ela, a tua mãe ainda gritava lá de dentro: não se demorem muito.
Só depois, Dona Mariana te pegava pela mão e saía rua abaixo, correndo. A esposa do sargento Belchior, que o teu pai dizia ser vagomestre.
Tu vestida com o único vestido que tinhas, enfeitado com fitas de cetim cor-de-rosa. Dona Mariana a conversar com um e mais um outro. E os homens a beijarem as mãos da vizinha, ora a esquerda, ora a outra, os beiços esparramados sobre as luvas ou sobre as mãos despidas, que nem eram de pele lisa, nem finas, nem delicadas como eram as mãos da tua mãe, artista na costura e no desenho.
Os homens cumprimentavam a vizinha e ela retribuía com trejeitos, a menear o corpo apertado em vestidos com decotes, e saias a dançarem pregas e franzidos sobre os tornozelos despidos de meias, que nem já a tua mãe usava disso, que ali, naquelas terras de calor, raras vezes usavam luvas, apenas para que condissesse como vinha na revista de modas. E meias, nunca as punham, que bastava terem as pernas bronzeadas do ar que as queimava. Que também a pele do rosto ia ficando tisnada. E o cabelo perdia brilho e secava nas pontas.
4 comentários:
Escritora, excelente descrição.
Beijos
gosto destes ensaios.
Um excerto magnífico, tal e qual nos habituaste!
Beijinhos.
Gosto de aqui estar.
E sentir a frescura.
O cheiro também.
E as imagens que me acompanham.
beijo
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