A Doutora Piedade tinha umas pernas enormes e firmes e calçava sandálias de tirinhas nuns pés com unhas encarnadas. As pernas dela viam-se na transparência dos tecidos leves que eram os seus vestidos; ou quando as cruzava e descruzava nas saias muito justas que ela usava mais de um palmo acima dos joelhos.
A Doutora Piedade tinha decotes, que nunca eram decotes em redondo, mas faziam um bico, o que dava um ar solto ao seio, duas mamas enormes aconchegadas em sedas e algodões ou um fio de linha em tricotado fino. Lembro-me em especial do vestido azul. Ela usava-o com uma camélia branca que tapava e destapava o rego das maminhas onde brilhava sempre um suado, um leve brilho de água escorrendo nas tardes sufocantes. Um fiozinho que se evaporaria na barriga que ela tinha um nadinha redonda entre os ossos da bacia mal cobertos de carnes. Era o que eu pensava e nunca disse, nem ao Júlio, o meu melhor amigo. Um fio de água que se evaporaria como a chuva ao cair no empedrado do pátio do recreio.
Éramos muitos na turma A do quarto ano de um liceu perdido nos confins de um país enorme. Muitos rapazes a disputarem o melhor ângulo de observação nas tardes de quarta em que havia desenho. Mas, ao que sei, só eu e o meu amigo Júlio usavamos ardis e malabarismos de primoroso engenho para sentir, que fosse apenas no rebordo da mão, o anafado que era o rabo da nossa professora. O mesmo rabo que versejámos num soneto. Um ror de versos de métrica estudada, que vimos rasgar, letra atrás de letra, e só não nos deu outros castigos por via do sorriso malandro que o padre, nosso professor de português, deixou escapar ao passar os olhos míopes pela ode que lhe apresentamos no trabalho de casa.
Que bem merecia que o cantassem, o rabo da Doutora Piedade.
Éramos muitos na turma A do quarto ano de um liceu perdido nos confins de um país enorme. Muitos rapazes a disputarem o melhor ângulo de observação nas tardes de quarta em que havia desenho. Mas, ao que sei, só eu e o meu amigo Júlio usavamos ardis e malabarismos de primoroso engenho para sentir, que fosse apenas no rebordo da mão, o anafado que era o rabo da nossa professora. O mesmo rabo que versejámos num soneto. Um ror de versos de métrica estudada, que vimos rasgar, letra atrás de letra, e só não nos deu outros castigos por via do sorriso malandro que o padre, nosso professor de português, deixou escapar ao passar os olhos míopes pela ode que lhe apresentamos no trabalho de casa.
Que bem merecia que o cantassem, o rabo da Doutora Piedade.
Um pedaço de carne onde um deus, quiçá manobra de um afago, fizera um traço bem a meio, tal qual faz o padeiro em massa de pão que vá a levedar. Um toque leve, arredondado, a separar em dois, a dar aquele efeito de não existente, um vazio discreto quando ela se movia a apagar o quadro. Um rabo levemente empinado, saliente o quanto baste para que se movesse, compassado, quando ela nos ensinava a inscrever num círculo a forma geométrica de um polígono. Ela a andar de lá para cá sobre o estrado e o rabo num vaivém, que eu bem recordo o ondular do azul sedoso do vestido.
A Doutora Piedade, nossa professora de desenho, numa cidade que fugiu do mapa ou se terá perdido por ser num país tão grande e tão distante.
A Doutora Piedade, nossa professora de desenho, numa cidade que fugiu do mapa ou se terá perdido por ser num país tão grande e tão distante.
7 comentários:
Soberbo!!!
Escritora, genial descrição e fartei-me de rir:)
Beijos
Eu mudaria o nome para Fernanda, professora de Português.
Um abraço para ti, Maria de Fátima. Fizeste-me sorrir e recordar.
uma memorável "botija sentimental" essa tua doutora...
beijo
O teu modo único de juntar as palavras e mostrar-nos textos tão reais! Adorei! Beijos.
A Fátima escreve tão bem...
Muito bonito. Valeu a visita. Os outros textos também.
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