segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

o sincelo

Marília olha.
Um olhar de comiseração é o olhar dela.
A fronte descaída sobre o peito, ela chora o amigo morto.

É já a madrugada entrando.
Pureza e graça, se diria deste amanhecer.
Não o dirá assim Marília, que uma névoa cerrada matou na serra o seu amigo.
Ela chorando, e a aldeia a recobrir-se de rendilhados, a fazer-se donzela decorada com preciosidade.
A brisa húmida a urdir-se em rendas numa infinitude.
-Uma aleivosia! - pensará Marília, exorcizando.
Marília muito triste apesar da urdidura bela, apesar do fino cortinado alvo que se vai tecendo.
E o céu a alvorecer. Um céu que nem se deu em nuvens. Um céu cerrado em névoa a empardecer a alva.
E arrefecera. Esfriara muito.
Dir-se-ia que nevava e, no entanto, Marília sabe que é tão só o mistério do sincelo.
- Oferta dos deuses! - dizia a mãe quando ele se dava; e colocava as mãos em jeito de oração num misticismo e num receio.
O mistério das coisas de Deus, pela madrugada.

E o silêncio recobrindo tudo como se fora unguento.
Um silêncio de eremitério. Um silêncio de pão levedando.
O silêncio triste que é Marília a chorar o seu amigo.



texto apresentado no oitavo jogo das 12 palavras



3 comentários:

wind disse...

Escritora está linda esta prosa.
Beijos

Menina Marota disse...

Como gosto de te ler!

Uma dos factos que me entrestecia na minha ausência da blogosfera (por motivos vários), era a circunstância de não ler palavras partilhadas com o afecto dos sentires.

Mas recuperarei o tempo perdido, aos poucos, colocando a leitura em dia de palavras, como estas, que me encheram o coração.

Beijinho e bom feriado ;)

Benó disse...

Pois é. Estive com um pé cá e outro lá e acabei por ficar cá.

Tive imensa pena mas, foi imposível a minha ida a Lisboa, naquele dia. Teria tido, tenho a certeza, muito prazer em te conhecer, mas ficará para outra altura, a combinar, pois, afinal, estamos tão perto...

Desejo-te uma óptima semana.

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein