De um qualquer modo a gente solta-se disto
assim como hoje, um dia usa a faca que trouxe na liga ano e ano e desfere o golpe
- Zás, diz o moço a quem deus não deu entendimento mais que o perceber que sangue é o que corre do buraco seja ele degolando ave ou arrebentando um fino golpe em veia mesmo por debaixo no pescoço de gente
- Zás!
e fica olhando o gorgolejar com o seu ar aparvalhado que a baba no canto da boca escorre e completa o quadro de um perfeito parvo
põe um pé mais atrasado do que o outro que um quase morto assusta para carago e se vier alguém ainda vai pensar que fui eu que peguei na ponta afiada daquela faca pequenina com um cabo a brilhar de prata e osso e a enfiei de um só golpe no pescoço daquele desgraçado
o sangue escorre e ele revira os olhos que nem sei se me está olhando e nem sei se o acuda se o largue
Chamem-lhe parvo...penso eu, o que se está morrendo, nos últimos laivos de pensar que tenho
- Zás! balbucia ele enquanto devagar o ar da vida se me foge
olha-me como se fosse ele o morto e eu penso de novo para que nos serve e fico-me morrendo devagar, ao ritmo do sol se distendendo em amarelos, lilases e vermelhos por detrás do morro onde joguei à bola e pastei as cabras do avô Gilberto e estudei para muitos exames sentado numa pedra
onde me lavei no rio de várias mágoas
Um fio escarlate desliza-me quente sobre o ombro que trago nu neste fim de tarde pois que só podia ser ao fim de um dia terminando que acontecesse a tresloucura de querer eu soltar-me disto
eu a responder-me ao para que serve
Depois ele pegará a faca de cabo prateado e osso que eu retirei da gaveta da cómoda da minha avó Bemvinda no dia em que havia lá por casa a confusão habitual da matança do porco
eram seis da tarde então como o são agora quando me eu envio de este mundo
abri a gaveta onde ela guardava, preciosas, duas ligas negras com um friso de rendas e uma saia rodada com folhos, junto a um colete
tudo em vermelhos que um dia ataviaram o seu pequeno e elegante corpo que esquartejava, lá em baixo, avantajado, mas ainda levemente belo, as carnes do porco criado a bolota e a cuidado
guardei a faca comigo desde essa tarde e perguntei-me então, vendo o bácoro grunhir como pela noite aqueles dois num por detrás que lhes deu no jeito, e até hoje no preciso momento, ou um pouco antes, de me de aqui partir: para que serve?
- Zás! diz o parvo mal eu me morro
e vai rolando os dedos sobre a sua jugular como me viu fazendo
Hão-de vir buscar-me o corpo e dirão
coitado
e eu que cuidei responder ao para que serve…
o sangue escorre e ele revira os olhos que nem sei se me está olhando e nem sei se o acuda se o largue
Chamem-lhe parvo...penso eu, o que se está morrendo, nos últimos laivos de pensar que tenho
- Zás! balbucia ele enquanto devagar o ar da vida se me foge
olha-me como se fosse ele o morto e eu penso de novo para que nos serve e fico-me morrendo devagar, ao ritmo do sol se distendendo em amarelos, lilases e vermelhos por detrás do morro onde joguei à bola e pastei as cabras do avô Gilberto e estudei para muitos exames sentado numa pedra
onde me lavei no rio de várias mágoas
Um fio escarlate desliza-me quente sobre o ombro que trago nu neste fim de tarde pois que só podia ser ao fim de um dia terminando que acontecesse a tresloucura de querer eu soltar-me disto
eu a responder-me ao para que serve
Depois ele pegará a faca de cabo prateado e osso que eu retirei da gaveta da cómoda da minha avó Bemvinda no dia em que havia lá por casa a confusão habitual da matança do porco
eram seis da tarde então como o são agora quando me eu envio de este mundo
abri a gaveta onde ela guardava, preciosas, duas ligas negras com um friso de rendas e uma saia rodada com folhos, junto a um colete
tudo em vermelhos que um dia ataviaram o seu pequeno e elegante corpo que esquartejava, lá em baixo, avantajado, mas ainda levemente belo, as carnes do porco criado a bolota e a cuidado
guardei a faca comigo desde essa tarde e perguntei-me então, vendo o bácoro grunhir como pela noite aqueles dois num por detrás que lhes deu no jeito, e até hoje no preciso momento, ou um pouco antes, de me de aqui partir: para que serve?
- Zás! diz o parvo mal eu me morro
e vai rolando os dedos sobre a sua jugular como me viu fazendo
Hão-de vir buscar-me o corpo e dirão
coitado
e eu que cuidei responder ao para que serve…
6 comentários:
Bem Escritora, está fenomenal esta "estória".
Descreveste perfeitamente a vida nos morros e a morte. Até arrepia.
Esata polivalência que tens na prosa é admirável:)
Beijos
Escorreu aqui pelo visor um fio vermelho , escarlate e eu zás, limpei-o. Ler uma história assim a esta hora tem que se lhe diga. Olha que estou arrepiada e não é habitual.
nem a todos falta esse entendimento ...
beijos meus
... afinal... eu é que faço & aconteço, etc e tal e depois é AQUI que venho encontrar aquilo que na gíria se chama um autêntico banho de sangue. O meu último não é assim tão violento: umas cabeças decapitadas apenas. Nada demais...
Jorrou em vermelho feito tinta. E que bem jorrou.
Bj.
Aqui, deleito-me com a tua escrita. Ainda não sei onde posso adquiri o livro. Dizes-me?
Beijo
tens uma nomeação no meu Eremitério.
Fraterno abraço
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