sábado, 10 de novembro de 2007

tardes

- Uns cabelos lisos que nem lençol na corda.
Assim dizia a mãe a quem a ouvisse.
E repetia: uns cabelos lisos os da minha filha.

Deslizava o pente, desempeçando.
Horas atrás de horas. Sentadas em poiais de porta.
Cada uma seu pente, sua filha, sua resma contada de palavras.
Se diziam de uma a cada outra, numa conversa pausada.
Silêncio. Palavra. E mais silêncio.
Falas de palavras e nadas. Falas nos espaços desouvidos.
E o cabelo alisado pelo pente talhado em osso de chifre.
O sentido falado nos não ditos.
A junção dos silêncios, dizendo.
Penteando os cabelos.
Nem sempre tão lisos, nem sempre tão brilhantes. Nem sempre tão embaraçados.


(Desgrenhados, piolhosos, garotávamos entre as pernas delas num à socapa que se eternizava tal o escorrer das sombras no chão de terra, tal o gatinhar dos dedos delas devassando.)

Olhavam por entre os fios, nem sempre sedosos, nem sempre longos. Emaranhados.
Puxavam. Perscrutavam.
Olhavam entre cada dois fios separados por dedos hábeis.
Aconchegavam o pente nos cabelos. Nos seus. Era um aguardando.
Tarde era até se dar a luz do sol.

Não se pense. Não eram tardes de afagos.
Eram tardes de trabalho e arte. Dolorosas tardes.
Tardes de silêncios largos, entrecortados de salpicos de sílabas, uma ou outra palavra.
As tardes longas de catar os bichos à luz das tardes.


14 comentários:

Mateso disse...

Quadro vivo!
Parabéns, uma vez amis!
Bj.

Ana Paula Sena disse...

As imagens "saltam" das tuas palavras!
Parabéns pelo texto poético!
Bjs

PostScriptum disse...

És efectivamente genial.
Beijinhos, moça!

Mena G disse...

Tá dificil comentar.
mas inda vou tentar outra vez.


Doce...
E o estalar das unhas dos polegares?

Alberto Oliveira disse...

... não era nada comigo mas até fiquei com comichões...

Gi disse...

Depois de saborear o teu texto , sorri. Em garota eu desejava ter uma dessas tardes. Chamavam-me tonta, que não sabia o que dizia. Regaço eu tive-o mas não com o cabelo solto. Sempre espartilhado em tranças, hábito que pelos vistos me ficou, mas o que eu queria mesmo era queme mexessem na cabeça como via fazerem aos outros meninos na rua. Que me inventassem bichos para poder estar ali mais tempo ... nunca encontraram nenhum e corriam comigo quando insistia que os procurassem melhor . Sorri e soube-me bem este sorriso. Não tenho mais ninguém que se lembre destas coisas faz muitooooo tempoooo!

um beijo

Alberto Oliveira disse...

... a Gi ´inda era mais artista que eu: inventava bichos onde eles não existiam. A criatividade é uma coisa muito bonita!

Nia disse...

E depois...daquele ali, o Legível, se coçar todo, foi a minha vez então.Que comichão,que pulgas...Só se safa..ah isso é bom...é o serenar e deitar no colo..e sentir as mãos da mãe a pentear..pentear....Hum.

Nia disse...

Onde se lê "pulgas" leia-se "piolhos" ou isso...mas o que interessa é o regaço.

Pepe Luigi disse...

Sublime este desprender de palavras em "Tarde".
Gostei muito.

Beijinhos

Alberto Oliveira disse...

... "daquele ali"?! Que forma ternurenta e comovedora?! tem essa menina de me tratar...

vieira calado disse...

Oh, amiga! E havia ainda outra coisa
nesse tempo, "a tinha"!
Mas o teu texto é bom.
E como vai os 5 Poetas de Lagos?

Beijinhos.

oxalá disse...

Mulher!... o que me foste lembrar!
rsrsrsrs Quase fui expulsa de um colégio por causa de... não querer ter piolhos!
rsrsrsrsrs

Abraço!

wind disse...

Escritora, nunca tive piolhos, mas sorri com a tua histótia pois ainda hoje gosto que me mexam na cabeça:)
Excelente, as always:)
beijos

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

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meu honroso quarto lugar

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"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
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