Tropeçou na fita do robe que pendia sedosa pelo soalho pingado do banho. Nua. E a fita se arrastando do roupão de cetim rosa. Um laço estreito que prendia os dois pedaços cruzados, displicentes sobre os seios, a barriga, os pelos salpicados da púbis.
Nua. Lambida de águas de banho. Húmida. Dois dedos de um pé entrelaçados na fita. Arrastado o laço num desfazê-lo e ela tombando, um pé adiante do outro num tropel de pé-coxinho, as unhas brilhando, fazendo ziguezagues de vermelho no tapete branco do lado esquerdo do leito enorme, em ferro naquele quarto de hotel alentejano.
Era pelo fim de Agosto. O sol rodando para oeste, poisando muito inclinado sobre o horizonte, ainda intenso no balaústre de cimento. A janela separando do quarto a língua da areia e, para lá, o Oceano. Azul. Um azul que não sei descrever. E nem o azul que era outro de tonalidade, o azul do céu muito para lá da fita de varanda em cimento cinzento, fervendo do sol de todo o dia.
O céu com uma nuvem solitária, rosada de um pôr de sol de dias antes. Ou de outro lugar, quem o sabe.
Sentava-se na beira do tecido que, desfeito, assim mesmo, era um luzir de olhos no decorar da cama em malmequeres e verdes. E antes que prendesse cada uma das meias, foi despindo o robe que se havia preso e, sentada de esguelha, as pernas dobradas, olhava o dedo magoado na fita presa.
Desfez-se o nó e abriu-se em dois o tecido que lhe descobre o seio farto e a calcinha em tons de amarelos, de lilases: rendas miúdas lavradas sobre outra renda em preto.
(A caixa de cartão ondulado, ocre com, dentro, papel de seda cor de rosa. A mesma cor do laço que desfez depois de fechar a porta ao rapaz da entrega. Dizia no cartão:
Apenas um meu sinal em jeito de pedir: resguarda a tua obra de arte
Um beijo
Alfredo
Agosto de 1947)
Todo em preto, o cinto ligas que ela prendeu a cada meia de vidro ao tom da pele, num gesto que lhe fez as mamas em presunção de deusa antiga ou, diria, de cortesã.
Nua no quarto, olhou a nuvem pequenina parada a espreitá-la. Sorriu de se pensar olhada de tão alto. Sorriu daquele seu jeito de deixar o sorriso dependurado e a língua brincando de esconde-esconde entre os dentes da frente.
E o quarto foi-se empapando de doirado. Lento. Salpicos de amarelo no soalho e sobre a pele do seu ventre desnudado. Redondo ventre assim acentuava o bronzeado da praia de Agosto quase passado.
Soltou o cabelo da toalha e derramou pelos ombros uma volúpia negra. Sacudiu-os da esquerda para a direita e de frente para detrás e num vice-versa de gestos largos e rápidos, as mamas se soltando ao compasso.
Um relógio de torre foi badalando: dum, dum, dum…
Oito da tarde.
Já quase noite não fora ser ainda Agosto.
Sobre a nudez mal escondida, colocou, dengosa, num escorrer mole de pele de cobra, um vestido pérola de decote redondo, atrás e à frente. Todo decote e quase mais nada, não fora ser a saia rodada. Muita roda de franzido miúdo tangendo, rente, acima do joelho.
Sem mangas e justo.
Muito cingido, era o vestido, nas ancas e no peito.
Os dois seios sem mais vestirem que essa pele que lhes deixava os bicos num redondo, amaciados, soltos.
O dedo dorido suplicou sandálias. Calçou as prateadas de saltos muito altos que lhe endireitavam o tronco e intumesciam as mamas e o rabo.
Olhou-se no espelho. Distraiu-se do dorido do dedo. Gostou-se, um segundo.
Pendeu de cada orelha dois brincos de pura fantasia, compridos, enleados em cores e brilhos.
Foi enfiando, como se sem pensar, em cada pulso, variadas pulseiras, cada uma delas com as cores de cada brinco.
Antes de pegar a saca muito grande numa palha fininha salpicada de flores bordadas em tecidos de cores (uma preciosidade que não largara todo o mês de Agosto) sentou-se a retocar o batom vermelho, e pulverizou, atrás das orelhas, com um perfume suave.
A lua encheu de luz o quarto.
Mas quando foi isso, ela ía longe: soltava gargalhadas numa rua estreita; enterrava saltos em empedrados.
Bebia o ar de Agosto.
E o ar de Agosto despedia-se dela com ciúmes: uma água fina, mais um pó de estrelas, começou a cair devagarzinho, aí pela meia noite.
Virava-se o mês de oito.
No decote redondo, escorrendo sobre o bico de um seio, um pingo anichou-se e segredou baixinho:
- Tati, até para o ano.
Nua. Lambida de águas de banho. Húmida. Dois dedos de um pé entrelaçados na fita. Arrastado o laço num desfazê-lo e ela tombando, um pé adiante do outro num tropel de pé-coxinho, as unhas brilhando, fazendo ziguezagues de vermelho no tapete branco do lado esquerdo do leito enorme, em ferro naquele quarto de hotel alentejano.
Era pelo fim de Agosto. O sol rodando para oeste, poisando muito inclinado sobre o horizonte, ainda intenso no balaústre de cimento. A janela separando do quarto a língua da areia e, para lá, o Oceano. Azul. Um azul que não sei descrever. E nem o azul que era outro de tonalidade, o azul do céu muito para lá da fita de varanda em cimento cinzento, fervendo do sol de todo o dia.
O céu com uma nuvem solitária, rosada de um pôr de sol de dias antes. Ou de outro lugar, quem o sabe.
Sentava-se na beira do tecido que, desfeito, assim mesmo, era um luzir de olhos no decorar da cama em malmequeres e verdes. E antes que prendesse cada uma das meias, foi despindo o robe que se havia preso e, sentada de esguelha, as pernas dobradas, olhava o dedo magoado na fita presa.
Desfez-se o nó e abriu-se em dois o tecido que lhe descobre o seio farto e a calcinha em tons de amarelos, de lilases: rendas miúdas lavradas sobre outra renda em preto.
(A caixa de cartão ondulado, ocre com, dentro, papel de seda cor de rosa. A mesma cor do laço que desfez depois de fechar a porta ao rapaz da entrega. Dizia no cartão:
Apenas um meu sinal em jeito de pedir: resguarda a tua obra de arte
Um beijo
Alfredo
Agosto de 1947)
Todo em preto, o cinto ligas que ela prendeu a cada meia de vidro ao tom da pele, num gesto que lhe fez as mamas em presunção de deusa antiga ou, diria, de cortesã.
Nua no quarto, olhou a nuvem pequenina parada a espreitá-la. Sorriu de se pensar olhada de tão alto. Sorriu daquele seu jeito de deixar o sorriso dependurado e a língua brincando de esconde-esconde entre os dentes da frente.
E o quarto foi-se empapando de doirado. Lento. Salpicos de amarelo no soalho e sobre a pele do seu ventre desnudado. Redondo ventre assim acentuava o bronzeado da praia de Agosto quase passado.
Soltou o cabelo da toalha e derramou pelos ombros uma volúpia negra. Sacudiu-os da esquerda para a direita e de frente para detrás e num vice-versa de gestos largos e rápidos, as mamas se soltando ao compasso.
Um relógio de torre foi badalando: dum, dum, dum…
Oito da tarde.
Já quase noite não fora ser ainda Agosto.
Sobre a nudez mal escondida, colocou, dengosa, num escorrer mole de pele de cobra, um vestido pérola de decote redondo, atrás e à frente. Todo decote e quase mais nada, não fora ser a saia rodada. Muita roda de franzido miúdo tangendo, rente, acima do joelho.
Sem mangas e justo.
Muito cingido, era o vestido, nas ancas e no peito.
Os dois seios sem mais vestirem que essa pele que lhes deixava os bicos num redondo, amaciados, soltos.
O dedo dorido suplicou sandálias. Calçou as prateadas de saltos muito altos que lhe endireitavam o tronco e intumesciam as mamas e o rabo.
Olhou-se no espelho. Distraiu-se do dorido do dedo. Gostou-se, um segundo.
Pendeu de cada orelha dois brincos de pura fantasia, compridos, enleados em cores e brilhos.
Foi enfiando, como se sem pensar, em cada pulso, variadas pulseiras, cada uma delas com as cores de cada brinco.
Antes de pegar a saca muito grande numa palha fininha salpicada de flores bordadas em tecidos de cores (uma preciosidade que não largara todo o mês de Agosto) sentou-se a retocar o batom vermelho, e pulverizou, atrás das orelhas, com um perfume suave.
A lua encheu de luz o quarto.
Mas quando foi isso, ela ía longe: soltava gargalhadas numa rua estreita; enterrava saltos em empedrados.
Bebia o ar de Agosto.
E o ar de Agosto despedia-se dela com ciúmes: uma água fina, mais um pó de estrelas, começou a cair devagarzinho, aí pela meia noite.
Virava-se o mês de oito.
No decote redondo, escorrendo sobre o bico de um seio, um pingo anichou-se e segredou baixinho:
- Tati, até para o ano.
Versão melhorada, eu acho, do original apresentado no concurso Veneno com açúcar da Teresa
6 comentários:
texto belíssimo. muito boa a descrição desse universo delicado, vital e misterioso que é uma mulher cuidando de si, mimando-se, vestindo-se de roupa e auto-estima, enchendo-se de brilho e prazer de estar na sua própria pele.
parabéns,
abraço,
nuno.
Viajei nas tuas palavras até à 1ª chuva de Agosto, ao cheiro único de terra molhada;
Do desenho...nem sei!
Que riscos gostava eu terem saído da minha mão!
... uma descrição indiscreta de como uma bela e aperaltada dama, depois de enfrentar a água do banho, não ficou impune à água da chuva. Imagino (é apenas um supônhamos!?) que o tal primeiro pingo, atrevido, tendo-se infiltrado pelo vale que se situa entre os tão cantados seios da Tati, até hoje, ainda não secou...
O outro já estava bom q.b. e eu gostei. Como não gostar deste também?
O sono veio e escapou-se-me, ando a aproveitar para ler aqueles que só com este silêncio consigo saborear.Sem pressas.
Um beijinho
Um regalo de visualização plástica e um mimo de palavras bem ritmadas. Parabéns.
Beijo.
Escritora, continua muito bom, todas as descrições, sentires, gestos e o desenho do TCA colocam-nos no local:)
Estive ausente, mas agora vou ler por aí acima.lol
beijos
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