segunda-feira, 1 de outubro de 2007

duvidas


Porque comprei dois brincos. Pergunto.
Um par e outro. Quatro pedaços de osso.
Podia ter comprado um varal de secar roupa e uma escada de pedra. E se sobrassem trocos, uma dessas miniaturas de casas com varanda e flores.
Podia ter comprado tudo, mas comprei brincos. Dois pares.
Pudesse eu saber das coisas e dos tempos e do que há-de vir depois de cada acontecer, e não perguntaria. Ficaria calada à espera de melhor momento, ou calada para todo o sempre.
Não faria, decerto, tal questionamento, depois de ter comprado dois pares de brincos como se fossem eles o mais importante. Comprados como coisa muito de meu gosto.
Alguém que me viu comprando, alguém me percebeu olhando o espelho, o que via eu em cada redondel de cada brinco.
Te digo: ele há sim destino e enleado é ele.
Nada é de acaso.
Revejam a cartilha dedilhando-a de ponta do dedo, soletrando. Coloquem atenção. Verão cada acontecer se emanando de um tecido pespontado antes. Fio a fio.
Cada fio, cada cosido, cada cortado do tecido, caminhando na finalidade de um simples ponto. O ponto final. Aquele que, por dado, faz do tecido um fato chique ou uma saia simples. Um fino bordado.
Estava tudo escrito muito antes. No justo instante, ou muito, muito atrás no passar do tempo, em que foi deitada na terra uma semente.
Pergunta redundante: porque comprei dois brincos.
Estava decidido nos confins do mundo.
Não havia o como não adquiri-los. Não podia ter comprado um quadro, nem um par de sapatos ou um vestido. Nem ter eu empregue aquele montante em mais um outro livro. (Que eu comprara dois livros na livraria em frente, antes de adquirir os dois pares de brincos numa tenda volante.)

De igual modo, eu explico o que me trás de olhos em pranto.
A vida, minha amiga!
Umas vezes cosida, e as mais delas, rasgada.
A vida tantas vezes sem qualquer cosido que não seja no primordial tecido.
E mesmo esse, tantas vezes, esburacado.
A vida.

E eu que comprei dois pares de brincos sem saber o como, a finalidade.

11 comentários:

Alberto Oliveira disse...

... mais tarde venho cá falar dos brincos. Deixei-te entretanto umas palavrinhas (poucas, que não ando nada bem da garganta, quem sabe se tenho de ir à faca... ) no texto abaixo.

Mateso disse...

Creio que a tua teia já vai tecida... Porém tão belo tecido não precisa de mais pontos? As cores, o traço, as linhas, o bordado pronto está? Pena o teu bordado não ser maior que os olhos do sentir mais ricos ficariam sempre o tocassemos em letras, sílabas, parágrafos e ainda o tecido , todo ele...em conto bordado.
Bj.

Lapa disse...

Saudações literárias.

Gi disse...

Gosto da teia, da trama, da tela, do tecido da tecelã. Da forma como os fios se entrelaçam , das histórias que podem contar memso quando já velhinhos e com buracos.
Que são uns brincos senão uns brincos? Cerzidores? Nããã, apenas um adereço que faz realçar a beleza do tecido.

beijos

Alberto Oliveira disse...

... o prometido é devidro (devido, devido, queria eu escrever) e cá estou a comentar-te com muito agrado que tu és uma pessoa que me merece a maior consideração e essas coisas todas. O quê?! estou a dar-te graxa?. Não. Não seria capaz de o fazer contigo nem com ninguém. Basta olhar para o estado dos meus sapatos...
O texto, está na forma do costume: bonito de se ler. Apenas um reparo (ou uma sugestão): devias ter optado pelo quadro. Sempre é um produto cultural, de valor acrescentado... se tiver a minha assinatura. Os brincos só vendo. Se te ficam bem.

risos, bom feriado e óptimo fim de semana.

Nilson Barcelli disse...

Compraste dois pares de brincos?
E eu a pensar que eras uma forreta que até deixavas crescer o cabelo a tapar as orelhas e não teres de usar tais adereços...
Ou então percebeste que desviariam, dos teus olhos em pranto, a atenção de outros olhos...
Allgarbosices, por certo...
O teu texto, de qualque modo, é magnífico, como SEMPRE...
Bfs, beijinhos.

Mustafa Şenalp disse...

Your blog is very nice:)

jorge esteves disse...

afincos
cincos
pintos
zincos
ou
brincos...

abraço!

wind disse...

Escritora, não sei porquê, mas emocionei-me com esta tua prosa e não a consigo comentar.
Beijos

Anónimo disse...

É dos brincos que se compram nos momentos imprevistos que se vai cosendo a tecitura da vida, já de si sempre esburacada por quem a tenta bordar com forquilhas e gadanhas, pensando que lhe basta ter o poder. Falta-lhes o engenho, e quem veste os tecidos é que sente o frio na pele. Beijo!

Espaços abertos.. disse...

Um texto muito engraçado onde a personagem principal ira em torno de um par de brincos,o tecido tece a combinação perfeita de um asintese.
Bom início de semana
Bjs Zita

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

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