Assim começam as histórias. Não falta ao costume a que vos conto.
Era uma vez uma rainha que vivia num castelo. Como qualquer castelo, este era enorme. E a rainha, como qualquer rainha, tinha muitas aias e criadas e cavalos e tinha muitos vestidos e sapatos e, claro, era casada com um rei.
O rei era um homem de barba caída sobre o peito e com o cabelo aos caracóis em cima do qual usava uma coroa em ouro e diamantes. Era uma coroa muito pesada que o rei só tirava à noite, quando se deitava. E, desde há uns tempos, o rei tirava-a para ir à taberna. Disfarçava-se numa capa enorme e levava na cabeça um chapéu de abas. Era nas noites em que vinha ao reino um enviado de outro castelo falar-lhe de negócios.
A rainha era uma mulher vistosa. Chamava-se Deolinda e andava sempre muito arranjada com vestidos cintados com lantejoulas e espartilhos e saias rodadas de seda e outros tecidos muito finos, alguns bordados, e capas de veludo apenas tapando os ombros e outras arrastando pelos soalhos e pelos empedrados.
E a rainha tinha um dom: ouvia muito bem. Diziam que era capaz de ouvir um segredo contado junto ao ribeiro que corria a umas boas jardas do castelo.
Na tarde desta história, a rainha está sentada no jardim e tem no colo um ramo de rosas. Rosas chá de que ela tanto gosta. Traz o cabelo enfeitado com uma tiara fina, em ouro sem pedras nem rendados.
De repente, fica com o olhar fixo no horizonte que era, ao caso, o conjunto das ameias defronte. Agarra com as duas mãos o caule das rosas. Escorre um fio vermelho que lhe suja a saia branca do vestido.
Inês, a aia velha que a criou, empalidece: sabe que dali, daquele ouvir atento, não vem senão desgraça. Prouvera que desta feita ela se engane.
A rainha ouve o som de um gargalhar. Um riso de mulher. Um riso lindo.
Fica mais atenta. Escuta. O ar foge-lhe. Concentra-se. Rolam-lhe os dois olhos nas órbitas.
Lá muito longe, em outro castelo, uma figura alta, uma mulher bela, o rosto encimado de um chapéu de bicos, o cabelo atado em duas tranças presas sobre a nuca com ganchos.
Mas não vê isto a rainha.
Do que decorre lá longe, ela ouve um som de beijo. Alguém que se despede de outro alguém.
Nos ombros, a mulher trás uma capa de tecido grosseiro. Disfarça-se. Monta uma égua preta.
A rainha ouve o bater dos cascos. Intensos.
Estrebucha.
Ouve também o tic tac do coração daquela que falou bem claro:
- Gerar um filho dele é o que quero. Não vou mais disfarçar. Podes contá-lo. Hoje na taberna, vou fazê-lo. Serei rainha daquele reino.
O castelo efervescia de vida àquela hora em que o sol se despedia. Andavam cirandando uns e outros em afazeres.
E a rainha ouvindo longe. Muito longe, naquele fim de tarde.
Na sala do trono, com a coroa bem assente, brilhando a uns raios de sol que entravam mesmo sobre o trono, o rei cochila ouvindo os relatos dos homens da corte. Espera que a noite lhe traga o encontro na taberna com o estranho.
Espera ansioso, ronronando, desatento dos relatos.
De repente, estremeceu o rei com o barulho que se ergueu pelo castelo.
Ergueu-se do trono. Quase correu, ao encontro daquela gritaria.
No jardim, encontra, rodeada de aias tontas, a sua rainha.
Desfeita de arranjos, desgrenhada, descomposta de ares reais, Deolinda estrebucha, espuma, endoidada, no terreiro em volta dos jardins de rosas. Cuidavam segurá-la as aias, mas em vão. A rainha está quase em possessão. Uma cruz com Cristo nu, tapadas só as partes com um pano que era esculpida madeira, como o resto, debruçaram sobre a cabeça de Sua Alteza a Rainha. Nem o poder da cruz a pára.
Mas não vê isto a rainha.
Do que decorre lá longe, ela ouve um som de beijo. Alguém que se despede de outro alguém.
Nos ombros, a mulher trás uma capa de tecido grosseiro. Disfarça-se. Monta uma égua preta.
A rainha ouve o bater dos cascos. Intensos.
Estrebucha.
Ouve também o tic tac do coração daquela que falou bem claro:
- Gerar um filho dele é o que quero. Não vou mais disfarçar. Podes contá-lo. Hoje na taberna, vou fazê-lo. Serei rainha daquele reino.
O castelo efervescia de vida àquela hora em que o sol se despedia. Andavam cirandando uns e outros em afazeres.
E a rainha ouvindo longe. Muito longe, naquele fim de tarde.
Na sala do trono, com a coroa bem assente, brilhando a uns raios de sol que entravam mesmo sobre o trono, o rei cochila ouvindo os relatos dos homens da corte. Espera que a noite lhe traga o encontro na taberna com o estranho.
Espera ansioso, ronronando, desatento dos relatos.
De repente, estremeceu o rei com o barulho que se ergueu pelo castelo.
Ergueu-se do trono. Quase correu, ao encontro daquela gritaria.
No jardim, encontra, rodeada de aias tontas, a sua rainha.
Desfeita de arranjos, desgrenhada, descomposta de ares reais, Deolinda estrebucha, espuma, endoidada, no terreiro em volta dos jardins de rosas. Cuidavam segurá-la as aias, mas em vão. A rainha está quase em possessão. Uma cruz com Cristo nu, tapadas só as partes com um pano que era esculpida madeira, como o resto, debruçaram sobre a cabeça de Sua Alteza a Rainha. Nem o poder da cruz a pára.
A calma só volta quando o rei, deitando em terra um joelho, lhe beija, de leve, a face fria. Descai ao rei a coroa. A rainha sorri.
Muito ao longe, ainda ouve um ruído de cascos.
Acalma-se o castelo. O sol pôs-se.
Nessa noite, o rei não deixou a coroa no seu quarto e não vestiu a farpela do disfarce.
Correram logo vozes. Que no reino, dentro de meses, os contados em luas e em quartos, haveria um príncipe.
Muito ao longe, ainda ouve um ruído de cascos.
Acalma-se o castelo. O sol pôs-se.
Nessa noite, o rei não deixou a coroa no seu quarto e não vestiu a farpela do disfarce.
Correram logo vozes. Que no reino, dentro de meses, os contados em luas e em quartos, haveria um príncipe.
Entrou um vulto na taberna. Ficou sozinho, sentado numa mesa. Pediu uma caneca de vinho. Passaram horas. Muitas horas.
Já era a noite grande, partiu em desfilada numa égua negra.
Conta quem lhe viu o rosto belo que saíu chorando.
17 comentários:
é bonitinha sua hiestoria
disculpe si vocé nao entende muito meu "portunhol" eu falo espanhol
sou da bolivia
é divertida e interesante seu blog
comprimentos para vocé
xiao
EScrever bem vale a pena. :)
Mais um belo conto, como sempre.
Quem me dera saber escrever assim.
Beijo
Outra história de encantar, cheia de subtis encantamentos - particulares!
Príncepes e princesas de contos de encantar. Encantada ...do encantamento da tua escrita.
Debve haver algum "feitiço" por essas terras do sul...
Bj.
As extrapolações que este texto permite... belíssimo!
Pelos vistos é coisa antiga essa a de se pensar que um filho "agarra" um homem. Quantas mulheres já não se prenderam à mesma ilusão ...
Azar o da cavaleira da égua preta que a rainha não tivesse uma rinosinusite que a deixasse surda que nem uma porta :).
Estive a ler o texto em falta. Deixas-me sem fôlego. Excelente como sempre.
Beijinho (mas grande, como sempre)
....................
Deixas-me sem palavras, até para comemtar.
Espero que já saibas que és genial.
Soberbo.
"Bendito e louvado... O conto está tão bem contado!"
Que bom é ver que contos ainda se contam.
Muito obrigado pelos tão simpáticos comentários na minha "caixinha de rabiscos".
Um beijinho!
Um conto agradável e sobretudo com um final bonito; os homens também choram
:)
... em primeiro lugar, parabéns pela disposição da página do blog.Assim, a leitura dos textos faz-se muito melhor.
Parabéns também pela história, desta feita com alguns entremezes de ironia que como sabes muito aprecio.
Finalmente -não sei se por ter chegado um pouco atrasado, ou por a égua ser demasiado rápida para os meus olhos, já não consegui descortinar o rosto chorando. Mas se tu o escreves, acredito.
Escritora, belíssimo conto com variantes encantandoras:)
Beijos
Olá e Obg pela tua visitinha amiga:)
Ai mas essa cobra... xiii... detesto coisas rastejantes -(
Mas adoro a tua forma de escrever.
Bjo e Tem uma Super Semana Cheia de Luz e Paz.
Minha querida, atenção que não é por não gostar de cobras, que não volto cá.
Mesmo não gostando delas (cobras), volto sempre cá, pois adoro ler-te.
Bjo.
Belo...
Ah, marafada que escreves bem como o raio. Que inveja!!
Bj
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