Lembro-o.
Sentado.
Sentado.
Um sentar de lado. Em meio traseiro. Sobre só uma nádega.
Deve este sentar a uns furúnculos velhos, raspados várias vezes. Reincidentes.
Foi o que pensei.
Nádegas sensíveis, mesmo que seja de estofo mole o assento, negam que as esborrachem sob o corpo por mais que seja este leve. Não se sentam, nádegas destas, um normal sentado. E tanto mais é um sentar de lado, se for de pedra ou rijo, de outro material, o assento.
E olhei-o. E imaginei.
Como é duro o se sentar ele.
O dia todo e o outro dia, andando.
Anuncia-se, muito antes que seja visto de chegar em aldeia ou vila. Muito raro é ele entrar em cidade onde nem o olham os passantes. Cidade, ele achega-se aos bairros circundantes onde tem alguém que se interesse, que dispense, como avultado, uns trocados, pela mercadoria que ele pouco vende na cidade.
Que ele pouco vende.
Dependurados de um ombro, dois ou três tapetes, em preto e ocre. Na curva do braço, as pegas de um saco vincando-lhe as carnes. Doem-lhe os ossos logo abaixo. Pesam, das asas, os sacos de onde sobram as pontas dos tapetes menores. Às vezes, ele desdobra, de lá do fundo, colchas.
Pura seda – é como as diz a quem o atende. E afaga, com dedos magros e compridos, castanhos, quase negros, a peça mole, escorregadia, em tons de amarelos de oiro, salpicados de figuras em danças de ventres de mistura com encantadores de serpentes e elefantes adejados de oiros e de verdes.
Os olhos dele olhando longes.
Anda muito andar.
Calçam-lhe os pés sapatos que a gente se apercebe que são grandes. Sacolejam-se neles , andando, os pés nús de qualquer meia.
Às vezes, descalça-os junto a uma bica das que havia dantes, farfalhudas de águas e que hoje vão escasseando, mas, uma ou outra, ainda corre numa entrada de aldeia ou num largo. Agarradinha a uma igreja, já é raro.
Outras vezes, descalça-os na sombra que rendilha um ribeiro. Velhos gorgolejares que ele encontra num fio estreito. Parece ter andado a água em luta com o leito. Perdeu. Ficaram, da contenda, as pedras observando o seu correr a medo.
Nesses por acaso de água, ele lava os pés de unhas encravadas, gordas de calos e de mal cortados.
Com o que parece desvelo, volta a colocar cada um dos pés nos sapatos largos.
Os olhos dele nem olhando de tão longes.
Foi num fazer ele descalço cada pé em frente a um fio de água que corria por baixo de uns salgueiros, que eu o vi.
Adengando num dobrado de lado, assentou o corpo magro sobre uma coxa. A esquerda, se me lembro. Ficou assim como quem está espreitando o que se passa por debaixo. Pensei-o observando um carreiro de formigas e estranhei.
Cumprimentei-o:
- Boa tarde – disse eu, do lado de lá do fio de água. De tal modo fio que não me parece bem dizer que o cumprimentei da outra margem, a ele que se sentava no chão de terra e algum saibro do que fora o leito da ribeira, reduzida a um regato, onde cada pé se esgueirou e ficou em baloiço.
Eu vi a água soluçar em redondos.
E nem sei a razão do seu sentar que me pareceu magoado. E não só de ele se sentar de lado.
Deve este sentar a uns furúnculos velhos, raspados várias vezes. Reincidentes.
Foi o que pensei.
Nádegas sensíveis, mesmo que seja de estofo mole o assento, negam que as esborrachem sob o corpo por mais que seja este leve. Não se sentam, nádegas destas, um normal sentado. E tanto mais é um sentar de lado, se for de pedra ou rijo, de outro material, o assento.
E olhei-o. E imaginei.
Como é duro o se sentar ele.
O dia todo e o outro dia, andando.
Anuncia-se, muito antes que seja visto de chegar em aldeia ou vila. Muito raro é ele entrar em cidade onde nem o olham os passantes. Cidade, ele achega-se aos bairros circundantes onde tem alguém que se interesse, que dispense, como avultado, uns trocados, pela mercadoria que ele pouco vende na cidade.
Que ele pouco vende.
Dependurados de um ombro, dois ou três tapetes, em preto e ocre. Na curva do braço, as pegas de um saco vincando-lhe as carnes. Doem-lhe os ossos logo abaixo. Pesam, das asas, os sacos de onde sobram as pontas dos tapetes menores. Às vezes, ele desdobra, de lá do fundo, colchas.
Pura seda – é como as diz a quem o atende. E afaga, com dedos magros e compridos, castanhos, quase negros, a peça mole, escorregadia, em tons de amarelos de oiro, salpicados de figuras em danças de ventres de mistura com encantadores de serpentes e elefantes adejados de oiros e de verdes.
Os olhos dele olhando longes.
Anda muito andar.
Calçam-lhe os pés sapatos que a gente se apercebe que são grandes. Sacolejam-se neles , andando, os pés nús de qualquer meia.
Às vezes, descalça-os junto a uma bica das que havia dantes, farfalhudas de águas e que hoje vão escasseando, mas, uma ou outra, ainda corre numa entrada de aldeia ou num largo. Agarradinha a uma igreja, já é raro.
Outras vezes, descalça-os na sombra que rendilha um ribeiro. Velhos gorgolejares que ele encontra num fio estreito. Parece ter andado a água em luta com o leito. Perdeu. Ficaram, da contenda, as pedras observando o seu correr a medo.
Nesses por acaso de água, ele lava os pés de unhas encravadas, gordas de calos e de mal cortados.
Com o que parece desvelo, volta a colocar cada um dos pés nos sapatos largos.
Os olhos dele nem olhando de tão longes.
Foi num fazer ele descalço cada pé em frente a um fio de água que corria por baixo de uns salgueiros, que eu o vi.
Adengando num dobrado de lado, assentou o corpo magro sobre uma coxa. A esquerda, se me lembro. Ficou assim como quem está espreitando o que se passa por debaixo. Pensei-o observando um carreiro de formigas e estranhei.
Cumprimentei-o:
- Boa tarde – disse eu, do lado de lá do fio de água. De tal modo fio que não me parece bem dizer que o cumprimentei da outra margem, a ele que se sentava no chão de terra e algum saibro do que fora o leito da ribeira, reduzida a um regato, onde cada pé se esgueirou e ficou em baloiço.
Eu vi a água soluçar em redondos.
E nem sei a razão do seu sentar que me pareceu magoado. E não só de ele se sentar de lado.
Nem ele me disse, nem eu lhe perguntei.
E nem nunca o vi apregoar ou entrar em vila, aldeia ou cidade. Nem em bairro. Nem lhe aprecei colcha de seda ou tapete que ele me estendesse com dedos de afagar.
Eu apenas passei.
Vi descalçar-se um homem num desusado modo de sentar.
Vi os tapetes poisados numa laje, ao lado.
Vi, sob o dedão grande, ondinhas que semelhei a água soluçando.
E vi-lhe os olhos. Ele os levantou ao meu boa tarde e logo se distraiu de mim, depois de um: deus o salve.
Ficou-se-lhe o olhar no dançar da água em anéis, brilhando.
Os olhos dele olhando um muito longe.
Lembro-o.
E sei que o que lembro é muito mais do que o estar ele sentado, num sentar de lado. Num sentar magoado.
É um lembrar muito mais do que não sei, contando.
E nem nunca o vi apregoar ou entrar em vila, aldeia ou cidade. Nem em bairro. Nem lhe aprecei colcha de seda ou tapete que ele me estendesse com dedos de afagar.
Eu apenas passei.
Vi descalçar-se um homem num desusado modo de sentar.
Vi os tapetes poisados numa laje, ao lado.
Vi, sob o dedão grande, ondinhas que semelhei a água soluçando.
E vi-lhe os olhos. Ele os levantou ao meu boa tarde e logo se distraiu de mim, depois de um: deus o salve.
Ficou-se-lhe o olhar no dançar da água em anéis, brilhando.
Os olhos dele olhando um muito longe.
Lembro-o.
E sei que o que lembro é muito mais do que o estar ele sentado, num sentar de lado. Num sentar magoado.
É um lembrar muito mais do que não sei, contando.
5 comentários:
A tua escrita é fabulosa...
Serenidade. Por vezes lembras-me muito o Mia Couto, quando acarinhas assim as palavras.
Digo-te, quando gostamos muito de um homem sentado 'num sentar de lado' é porque quem lhe deu forma o fez muitíssimo bem. E se o fez em poucas linhas é porque mimou muito cada palavra.
Escritora, já vi muitos homens desses, só que tu descreve-os maravilhosamente que até cresce um aperto.
As tuas palavras entram dento de mim e és uma espécia de Mia Couto, mas isso já to escrevi ao tempo:)
Beijos
Beijo! (Leio-te sempre, e com gosto!)
Olá:)
Adoro ler-te.
Bjo e Bom Fim de Semana
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