domingo, 22 de julho de 2007

às curtanheiras



Moças rosadas do calor que a apanha dava.
Figo de tamanho diverso.
Figos vários, de Junho para a frente ou até antes.
Maduros, primeiro os lampos e mais tarde os inchários.
Figos mais encarnados que verdes, quase lilases, a derramarem vermelhos melados desunindo o bico em quatro brancas interioridades: um avesso felpudo.
Figos verdes por fora e tão rubros por dentro, os que as moçoilas apanhavam em grandes quantidades, as saias presas com um alfinete entre as partes, ei-las escarranchadas num galho mais forte, o lenço rodado sob o queixo, atado atrás sobre o pescoço. A medo ou em descarado jeito, papavam um e outro que eram frescos e apaziguavam fome e sede. Comiam-nos inteiros. Casca e tudo. Enfiados na boca que figo deste tipo, maduro pelas branduras de entre Junho e Agosto, é as mais das vezes, figo miúdo.
O figo coito para secar nas esteiras, para comer torrado nos frios do Inverno vindouro, para fazer os santinhos.
Por vezes, corria do figo um fio de leite. Um peganhento suco saindo do pé: não está o figo ainda maduro. Foi engano de retirar da figueira o dito. Foi descuido.
E cuide-se quem o figo assim come: o leite abundante que escorre, ensarrabulha línguas e faz crescer nas bocas, inestéticas borbulhas.
Há quem não atine sequer com a proximidade da folha de qualquer figueira: fica de pronto parecendo que todo o corpo foi coberto de tinha. Gente fina que não podia comparar-se àquelas formosas e destemidas moçoilas da apanha.
Verde, mas muito maduro, é como se quer comido o figo coito. Que o vejamos teso: modo, tenho eu por certo, de assim avaliarem as meninas que aos molhos desciam de umas terras a outras, em ranchos, por mor de fazerem a apanha.
Conta-se que por essas noites de estio elas dormiam nas eiras, entre uma e outra apanha trocada por uns réis, magros tostões, uma malga de caldo e um naquito de pão. Uma saquita de figos. Se dão.

(Dizem que pelas noites de uma lua que só se dá por Agosto, de eira em eira, no restolho ou sob uma figueira, ardiam corpos jovens de moçoilas. )


Sobre figos e as curtanheiras, documente-se aqui onde me inspirei Figos lampos

7 comentários:

Anónimo disse...

Gosto muito de figos e figueiras (além do que a minha amiga escreve, bem entendido)! Beijo! ;)

Alberto Oliveira disse...

... um belo texto a escorrer mel que já não vejo nos figos que agora trinco. Deslavados até dizer chega. As moçoilas nas eiras, também foi chão que já deu... figos. De "... o figo coito. Que o vejamos teso... ", prefiro não tecer comentário, não vá esticar-me em projecções pouco académicas...

vieira calado disse...

Vê-se que és desse tempo.
Estes textos são semprte bons, para os jovens aprenderem alguma coisa. E os velhos não esquecerem donde vieram.

CNS disse...

E sentem-se os figos tépidos e maduros pelo sol. Os dedos pegam. A boca adoça.

beijos

VdeAlmeida disse...

E a preguiceira ainda vai dando para te fazer umas visitinhas e ler as tuas sempre encantadoras palavras...
Beijinho, Seila

éf disse...

ahh... essa noite de Agosto em que ardiam devia ser a única em que os moçoilos bombeiros não apareciam de extintor em riste.


;p

wind disse...

Escritora fizeste-me voltar muitos anos atrás onde numa casa de campo que tive, ia aos figos:)
beijos

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

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"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
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