Zanzando. Um pé aqui, um pé acolá. Descentrada de uma qualquer vertical. Com um centro de gravidade deslocado da base. Sempre a base uns milímetros mais aquém da vertical que lhe passava. Repetindo os passos: ia em frente e voltava atrás. Fazia o mesmo, o de repetir passos, à esquerda e à direita, de um a outro lado.
Guinava de repente.
Os olhos muito abertos.
A boca num esgar babado.
A roupa que vestia era roupa boa.
Nessa tarde, vestia uma saia larga em castanho dourado, uma camisola de malha muito solta do corpo, não fora um cinto de cabedal descaido sobre as ancas que ajustava o tecido . Camisola de malha em tons de avermelhados com uma mão em concha bordada sobre o peito. Uma mão de onde sobrava um sol com raios amarelos. Os cabelos trazia-os soltos de modo que, balançando, rodopiavam eles de um a outro lado como uma coisa doida que lhe tapava o rosto e o destapava num instante. Um rosto onde os olhos eram muito verdes, raiados de vermelhos que se acentuavam quando ela guinava abrindo e fechando a boca num esgar babado.
Por vezes, encontrava um apoio: uma esquina, um banco de jardim, o parapeito baixo de uma janela. Simplesmente, o vertical de um candeeiro de rua. Muitas vezes, um carro estacionado. Então, parava, as pernas escorregadas como se fosse ela sentar-se encostada naquele apoio que lhe cortava o trajecto de zanzinar de um a outro ponto que nem se percebia se os locais de um e outro lhe eram conhecidos, ou se ia ela num andar de acaso.
Nesses instantes de paragem, se via que ela levava um livro. Tirava-o devagar de dentro de um saco a tiracolo. Um saco de pano de muitos coloridos. O livro, abria-o num local marcado por uma pequena fita de cetim vermelha que logo caía balançando como um dependurado. E ela, encostada num diverso encosto, vertia olhares sobre as folhas com um atentamente tão traduzido na boca que abandonava o riste babado e se mostrava uma boca apenas tremida do lábio de cima sobre o lábio de embaixo. E ela meneava os olhos: apenas os olhos zanzando da esquerda à direita e de cima abaixo.
Ela lia as páginas do livro. Ou parecia. Como se estivesse quase a sentar-se encostada a um qualquer encosto.
Nessa tarde ela trazia, vale a pena acrescentar-se, umas botas altas prateadas com uma serpente vincada em cada lado e vestia uma gabardina verde que descia quase sobre cada bota tapando o pregueado da saia.
Por vezes, encontrava um apoio: uma esquina, um banco de jardim, o parapeito baixo de uma janela. Simplesmente, o vertical de um candeeiro de rua. Muitas vezes, um carro estacionado. Então, parava, as pernas escorregadas como se fosse ela sentar-se encostada naquele apoio que lhe cortava o trajecto de zanzinar de um a outro ponto que nem se percebia se os locais de um e outro lhe eram conhecidos, ou se ia ela num andar de acaso.
Nesses instantes de paragem, se via que ela levava um livro. Tirava-o devagar de dentro de um saco a tiracolo. Um saco de pano de muitos coloridos. O livro, abria-o num local marcado por uma pequena fita de cetim vermelha que logo caía balançando como um dependurado. E ela, encostada num diverso encosto, vertia olhares sobre as folhas com um atentamente tão traduzido na boca que abandonava o riste babado e se mostrava uma boca apenas tremida do lábio de cima sobre o lábio de embaixo. E ela meneava os olhos: apenas os olhos zanzando da esquerda à direita e de cima abaixo.
Ela lia as páginas do livro. Ou parecia. Como se estivesse quase a sentar-se encostada a um qualquer encosto.
Nessa tarde ela trazia, vale a pena acrescentar-se, umas botas altas prateadas com uma serpente vincada em cada lado e vestia uma gabardina verde que descia quase sobre cada bota tapando o pregueado da saia.
Encontraram-na.
Deitada. Ao lado o livro aberto numa página.
Encostara-se a um carro de marca indefinida tal como a cor pois que era um carro de ferro velho no meio de muitos outros com o mesmo aspecto onde, alguns, um ou outro, mostrava ter sido um Mercedes, um Alfa Romeo ou um qualquer outro de marca ou modelo.
Supõe-se que ela deslizara ao longo da chapa enferrujada. O livro descansava aberto no chão de terra e barro, ensopado em um enlameado negro de óleos velhos.
Supõe-se que ela deslizara ao longo da chapa enferrujada. O livro descansava aberto no chão de terra e barro, ensopado em um enlameado negro de óleos velhos.
O livro trazia ainda o quente de ter ela zanzado sobre ele os olhos muito abertos, verdes com traços de vermelho. Os olhos e o corpo dela ambos repousando ali ao lado, escorregado o corpo sobre o encosto que era um carro muito velho e lhe ficou encostando uma jante mesmo junto ao cabelo preto que trazia solto.
O livro estava aberto numa página que poderia não ser aquela de onde se dependurara a fita vermelha que marcava o derradeiro lugar de lido quando ela o abrira. Ou seria sim, a página que ela lia no momento em que o corpo deslizou no encosto.
O livro estava aberto numa página que poderia não ser aquela de onde se dependurara a fita vermelha que marcava o derradeiro lugar de lido quando ela o abrira. Ou seria sim, a página que ela lia no momento em que o corpo deslizou no encosto.
Tremeluzia ao vento a folha que tinha escritos a preto nos cantos inferior esquerdo: dezoito e dezanove, em números redondos,
A página dezoito devia ser a que ela lia.
A página dezoito devia ser a que ela lia.
Parece credível.
Dizia, a meio da página, parágrafo vinte, que conferiu quem apanhou daquela lama o livro e viu o que dizia e era assim o que leu:
Morra-se no momento em que sopra um vento, uma brisa. Isto para que a alma se solte leve e tenha ajuda de ir zanzando, aos zigue-zagues, pé aqui pé acolá, à frente e depois atrás, à esquerda e à direita, um passo para cada lado: a alma empurrada para cima sem que fique zonzando, colada pela gravidade, aqui em baixo.
Estava assim escrito enquanto corria a brisa, ou vento, que desfez, quem sabe, da página que ela lia para aquela: a página dezoito.
Dizia, a meio da página, parágrafo vinte, que conferiu quem apanhou daquela lama o livro e viu o que dizia e era assim o que leu:
Morra-se no momento em que sopra um vento, uma brisa. Isto para que a alma se solte leve e tenha ajuda de ir zanzando, aos zigue-zagues, pé aqui pé acolá, à frente e depois atrás, à esquerda e à direita, um passo para cada lado: a alma empurrada para cima sem que fique zonzando, colada pela gravidade, aqui em baixo.
Estava assim escrito enquanto corria a brisa, ou vento, que desfez, quem sabe, da página que ela lia para aquela: a página dezoito.
Talvez.
5 comentários:
O encosto...o livro.. . o zanzar... os olhos raiados.. a página aberta...
uma escolha., ou simplesmente o acaso?
Excelente como sempre.
Bj.
Sentem-se as cores. A brisa. Qause que vejo a página do livro.
Adorei.
Bjs
e zonzando, ao sabor brisa, se vai lendo o teu retrato vivo.
Dezoite - 18 1+8 =9 - nove, noves fora NADA. Foi bem escolhida a página para o final :)
A tua escrita ziguezagueada andou zamzeou a cromoterapia. Entre os castanhos dourados , os amarelso verdes e prateados e muitos raiados de vermelho e não esquecendo a fitinha vermelha. É caso para dizer a morte veste-se tão bem ...
Gostavas de escolher o dia ? A página? Eu acho que só zanzeava para a iludir, para lhe dar que fazer, nunca para a aceitar. (digo eu)
Beijinhos de alguém que zanzeia com as letras e as come ... quando tenho a (in)feliz ideia de me reler vejo que faltam tantas palavras que, se nem eu própria percebo o que escrevo, o que não dirão os outros... por isso escrevo tão pouco (esta desculpa é boa não é? )
mais um beijinho
Escritora, mais uma sublime prosa onde as palavras vão ziguezagueando ao sabor do teu vento.
Beijos
Enviar um comentário