sexta-feira, 15 de junho de 2007

aos meninos



Eu vi o meu menino num deserto.

Uma cadeia de restaurantes
Um centro comercial gigante
Uma atapetada casa de conforto
Uma enxovia
O meu menino entre dezenas de outros

Eu vi o meu menino num deserto.

Não é de luz de sol que ele se alumia
Nem de luz coada por janelas
Nem é à luz da lua que ele se via
É uma luz que não é da noite
E nem é nunca dia

Eu vi o meu menino num deserto.

Dobrado o dia todo, borda flores

As mãos ergue, mas não reza
Doba o fio para alindar tapetes
Ou fio de coser sapatos
Ou fio de pesca, das redes

Eu vi o meu menino num deserto.

Eu vi o meu menino mergulhar em águas
Sujas de rios e sujas de piscinas
Eu vi-o alisar madeira do que seria
O cabo de uma faca, uma vassoura
E vi-o mal dormido numa enxerga

Eu vi o meu menino num deserto.

Um pano roto a fazer de manta
Um pano sujo num chão de lama
Ou que fora sob telheiro e seco
Ou que fora de cetim e damasco
Ou que fora. Não era do meu menino a cama.

Eu vi o meu menino num deserto.

Carregava uma lata à ilharga
Na cabeça uma outra derramava
Água de um rio ou do carro grande
O meu menino entoa hinos aos deuses
E mata-se a ele e a muitas gentes.

Eu vi o meu menino num deserto.

Vi-o ir por um sorriso brando, uma promessa
Trocado por uma nota ou por um maço
Ou por apenas um almoço parco
Eu vi-o de mão dada com senhores
Em ruas grandes, em feiras e congressos.


Eu vi o meu menino grande
Eu vi o meu menino morto

Eu vi e não me perdoo





Não deixem de ir a este documento
Obrigada, Gi!

6 comentários:

Gi disse...

Meninos que vagueiam nos desertos da vida um pouco por todo o mundo.
Matam-lhes tudo. Até os sonhos. Como sonhar com oásis se muitos nem sabem que eles existem?

Deixo-te um beijo e a dor pelo teu menino. Por todos os meninos.

wind disse...

Escritora "ilustraste" com as tuas palavras o que aqueles meninos que já não são meninos, são e fazem.
Beijos

Anónimo disse...

Mas isto, para o senhores do mundo, não é terrorismo... :(

CNS disse...

Obrigada por também me fazeres ver o teu menino. Obrigada.

Ana Paula Sena disse...

Que lindo, o poema! :)
Uma realidade tão difícil de encarar, a de que existem tantos meninos assim, perdidos por entre escravaturas mil!
Que o teu poema possa ser mais um eco profundo deste tão grande mal do mundo...
Beijinhos e bom fim-de-semana.

CNS disse...

Volto, porque não posso deixar de agradecer a tua "oferta". :)

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

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ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein