Deixou o dinheiro sobre a mesa.
Dois maços de notas azuis e outros dois, rosa. Notas lisas. Muito quase a brilhar de novas. Brilhando como o relógio, uma pedra cinzenta, quadrada, com dois ponteiros pretos deslizando entre doze pontinhos vermelhos regularmente separados. Faz tic apenas quando o ponteiro grande assenta no pontinho do meio, em cima. Eram sete quando ele saiu deixando em cima da mesa os maços, assim como perdidos.
Os maços assentes no tampo da secretária de uma madeira oriunda de uma terra distante como a da paisagem no quadro por detrás da mesa. Uma paisagem onde corria, muito em azul, um rio entre palmeiras, ou seriam coqueiros, mas eram árvores com um tronco esguio sobejando por cima de casas de colmo colocadas em volta de um terreiro que o artista pintara de um castanho com mistura de vermelho.
As notas muito horizontais, na bordinha da mesa que era uma mesa enorme à frente de uma cadeira que rodava entre o rio e as casas de colmo.
Eu apertava as mãos sobre o meu traseiro. Esganava-as uma na outra lutando cada dedo com um outro sem dar-se tréguas de soltarem-se elas em mão esquerda e mão direita. As minhas mãos engasgadas de dizer-me:
- Deixa-nos estar sossegadas que a gente não salta daqui de trás de onde nos colocaste logo que entraste nesta sala, ainda estava, rodando na cadeira, aquele homem grande com duas olheiras roxas em vez dos olhos e uma careca que luzia à luz do candeeiro assente sobre a mesa, na extremidade oposta àquela em que, sob a tua cara, colocou o dinheiro. Não puxes que a gente não se mexe.
E eu apertando uma mão na outra e as notas crescendo como se fossem ocupar a sala. Lençóis, elas, dependuradas nas paredes, atapetando o chão, voando pela janela que era a parede ao meu lado direito luzindo das luzes da cidade, espalhadas que nem estrelas muito lá ao fundo, e eu cá muito no alto, e as notas esvoando de muito de cima .
As notas, de uma a outra cor do arco-íris, encostadas na minha barriga, um pouco abaixo dela, assim, junto às minhas partes, as notas mais valiosas, e afastadas um pouco, o maço das restantes, atadas, umas e outras, com fitas de papel pardo com dizeres que não podia decifrar sem que chegasse mais ao pé. Ainda mais.
Doeram-me as fontes como dizia a minha mãe nos dias em que eu tinha prova.
- Coloca este pano embebido em aguardente sobre as fontes que ficas mais esperto.
Querendo ela dizer que não me dormia em cima do papel, pingando com tinta azul a prova e, maior drama, sujando a bata branca da escola.
Doeu-me tanto cada um dos lados da cabeça dobrada sobre os maços de notas azuladas e rosa. Tamanho aperto, que as minhas mãos soltaram-se, uma e outra deslizada sobre cada um dos lados, os polegares arredondando em pressão de afago, enquanto os quatro dedos se tocavam, de leve, no alto da cabeça.
Na mesa, as notas pararam de dançar trancadas nos laços de papel, e na janela apenas as luzinhas da cidade brilharam.
No relógio, não passara o ponteiro grande de um vermelho a outro, e o homem muito grande, de uma terra distante que era a do tampo da mesa e da paisagem do quadro, entrou e olhou-me sorridente.
Foi há muito ano. Muito, muito ano.
Na sala onde hoje trabalho das sete às nove e muitas vezes janto e faço fins-de-semana e feriados, mandei tirar o quadro, mas mantenho o relógio e o candeeiro, e sobre a mesa, tenho, não tantos maços, mas só um com mistura de notas azuis e rosa, atadas com uma fita parda.
Dois maços de notas azuis e outros dois, rosa. Notas lisas. Muito quase a brilhar de novas. Brilhando como o relógio, uma pedra cinzenta, quadrada, com dois ponteiros pretos deslizando entre doze pontinhos vermelhos regularmente separados. Faz tic apenas quando o ponteiro grande assenta no pontinho do meio, em cima. Eram sete quando ele saiu deixando em cima da mesa os maços, assim como perdidos.
Os maços assentes no tampo da secretária de uma madeira oriunda de uma terra distante como a da paisagem no quadro por detrás da mesa. Uma paisagem onde corria, muito em azul, um rio entre palmeiras, ou seriam coqueiros, mas eram árvores com um tronco esguio sobejando por cima de casas de colmo colocadas em volta de um terreiro que o artista pintara de um castanho com mistura de vermelho.
As notas muito horizontais, na bordinha da mesa que era uma mesa enorme à frente de uma cadeira que rodava entre o rio e as casas de colmo.
Eu apertava as mãos sobre o meu traseiro. Esganava-as uma na outra lutando cada dedo com um outro sem dar-se tréguas de soltarem-se elas em mão esquerda e mão direita. As minhas mãos engasgadas de dizer-me:
- Deixa-nos estar sossegadas que a gente não salta daqui de trás de onde nos colocaste logo que entraste nesta sala, ainda estava, rodando na cadeira, aquele homem grande com duas olheiras roxas em vez dos olhos e uma careca que luzia à luz do candeeiro assente sobre a mesa, na extremidade oposta àquela em que, sob a tua cara, colocou o dinheiro. Não puxes que a gente não se mexe.
E eu apertando uma mão na outra e as notas crescendo como se fossem ocupar a sala. Lençóis, elas, dependuradas nas paredes, atapetando o chão, voando pela janela que era a parede ao meu lado direito luzindo das luzes da cidade, espalhadas que nem estrelas muito lá ao fundo, e eu cá muito no alto, e as notas esvoando de muito de cima .
As notas, de uma a outra cor do arco-íris, encostadas na minha barriga, um pouco abaixo dela, assim, junto às minhas partes, as notas mais valiosas, e afastadas um pouco, o maço das restantes, atadas, umas e outras, com fitas de papel pardo com dizeres que não podia decifrar sem que chegasse mais ao pé. Ainda mais.
Doeram-me as fontes como dizia a minha mãe nos dias em que eu tinha prova.
- Coloca este pano embebido em aguardente sobre as fontes que ficas mais esperto.
Querendo ela dizer que não me dormia em cima do papel, pingando com tinta azul a prova e, maior drama, sujando a bata branca da escola.
Doeu-me tanto cada um dos lados da cabeça dobrada sobre os maços de notas azuladas e rosa. Tamanho aperto, que as minhas mãos soltaram-se, uma e outra deslizada sobre cada um dos lados, os polegares arredondando em pressão de afago, enquanto os quatro dedos se tocavam, de leve, no alto da cabeça.
Na mesa, as notas pararam de dançar trancadas nos laços de papel, e na janela apenas as luzinhas da cidade brilharam.
No relógio, não passara o ponteiro grande de um vermelho a outro, e o homem muito grande, de uma terra distante que era a do tampo da mesa e da paisagem do quadro, entrou e olhou-me sorridente.
Foi há muito ano. Muito, muito ano.
Na sala onde hoje trabalho das sete às nove e muitas vezes janto e faço fins-de-semana e feriados, mandei tirar o quadro, mas mantenho o relógio e o candeeiro, e sobre a mesa, tenho, não tantos maços, mas só um com mistura de notas azuis e rosa, atadas com uma fita parda.
Escrevi nela: Levas-me?
Tal como vi nas outras, muito depois daquela tarde.
(Hoje, desapareceu o maço. Nunca mais o reponho. Acho.
Mas deu-me esta saudade daquele fim de tarde em que as notas voaram sobre a cidade!)
(Hoje, desapareceu o maço. Nunca mais o reponho. Acho.
Mas deu-me esta saudade daquele fim de tarde em que as notas voaram sobre a cidade!)
6 comentários:
e se?? conta.
Há fins de tarde assim...
(este está bem de palavras feito)
Gostei!
Abraços!
Escritora fico sempre aparvalhada quando te leio.
Escreves bem para caramba, surpreendes-me sempre e és genial!
beijos
Primeiros: Juro que não fui eu que tirei as notas, que posso ser muito brincalhão mas também sou muito honesto, qué que pensas?!
Segundos:eram euros ou libras inglesas?
Terceiros:tem um óptimo domingo que eu estou a cair de sono...
... como não escreveste mais nada, suponho que já tenham aparecido as notas. E agora está no doce labor de as recontar, confirmando que não te falta nenhuma.
Para que não volte a acontecer tal, sugiro que registes num bloco de notas, onde escondes as notas. E que não caias na tentação de fazer um post a mostrar o sítio onde elas estão. A mim podes dizer, que sou de confiança...
As notas voaram sobre a cidade, talvez algum sem abrigo as tanhe apanhado.
Um abraço. Augusto
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