Aborrecia-se nos dias de chuva. Ficava de queixo na mão e cotovelo no esconso da janela a ver aqueles fios de pérolas escorrer como a mágoa que lhe digeria alguma parte de si. Ficaria ali o dia todo se alguém a não chamasse. O dia em que calçou aqueles sapatos vermelhos, era um dia de muita chuva e um dia de um tremendo aborrecimento na sua ainda muito pequenina idade. Foi a mãe quem a chamou. A casa estava cheia de amigas da mãe e filhas das amigas da mãe e amigas das filhas das amigas da mãe.E todas as que eram filhas tinham calçados sapatos, mas nenhuma tinha uns sapatos vermelhos como os que ela calçou logo que sua mãe entrada no quarto, lhe lembrou que era a festa do seu décimo quinto aniversário. E ela que estava tão aborrecida como julgava que se aborrecia nos dias de muita chuva! Afinal era um aborrecimento bem maior! Para enfrentar os seus quinze anos não havia uma janela, nem um esconso que apoiasse o aborrecimento de um cotovelo. Talvez só os sapatos de um vermelho intenso. Ficou a olhar os dois sapatos. Achou-lhes graça. Calçou um em cada pé. Pôs soquetes brancos. Ela nuca soube do que foi. Sabe, isso sim, que nunca mais teve, com ou sem chuva aqueles aborrecimentos.
Hoje, o sol força-se em raios multicores nas nuvens cinzentas. Parou de um outro chover. Cirandando no quarto em afazeres que a esperam, abre o armário e calça, muito finos, muito altos, um em cada pé, dois sapatos vermelhos.
Hoje, o sol força-se em raios multicores nas nuvens cinzentas. Parou de um outro chover. Cirandando no quarto em afazeres que a esperam, abre o armário e calça, muito finos, muito altos, um em cada pé, dois sapatos vermelhos.
12 comentários:
Escritora, continua a calçar todos os anos os sapatos vermelhos para veres semppre o sol:)
beijos
É com eles que sonha.
Também eu tive meus sapatos vermelhos.
Continuo sonhando...
http://bica.blogs.sapo.pt
AMIGA SEMPRE
ALUENA
Eu nunca tive uns sapatos vermelhos e compreende-se o porquê, mas tive umas botas de cano quando era adolescente, por terem sido tão desejadas, usava-as quer de Inverno quer de Verão, como se mais nada tivesse para calçar, o que era verdade, nunhum dos outros sapatos me dava mais prazer que aquelas botas.
Um abraço. Augusto
Não sei de dos sapatos. Mas da excelência da tua escrita. Com ou sem sapatos vermelhos.
Aqui me sento mais um pouco..
Um beijo
Há pequenas coisas de que nunca mais nos esquecemos. É essa a memória que nos alimenta.
E que bem que ficam... :-)
Esvreves muito bem!
(...) e batendo 3 vezes os calcanhares, voltou para casa...
Beijo grande
Eu tive uns sapatos verdes quando fiz dezoito anos. Não eram assim um verde berrante, tipo verde-alface. Não; eram verde-neutro. Como se o verde alguma vez pudesse ser neutro. O verde tem sempre posição... A verdade é que eu gostava do raio dos sapatos; davam-me bom andar e quando olhava para os pés parecia que eles eram extensões da natureja verdejante. Mas como como já deves estar a adivinhar, esta história teve um fim infeliz. Uma vez, cansado, adormeci calçado; veio uma vaca esfomeada e comeu-me os sapatos. Felizmente que me deixou os pés. Que a partir daí em sinal de luto, foram sempre calçados com sapatos pretos.
Um óptimo domingo com sorrisos!!
Este post proporcionou-me gratas memórias cinéfilas...sapatos vermelhos, objectos tão simbólicos, tão evocativos de lembranças, vividas ou sentidas por nós a partir de personagens mais ou menos próximas!... Os sapatinhos de rubi de Dorothy, claro, como já foi referido, mas também os sapatos vermelhos que, no filme do mesmo nome, recriando o conto de H.C. Anderson representam o sonho e a destruição da personagem interpretada por Moira Shearer. E os sapatos vermelhos das vamps, que mundo fascinante! ;)
Como um dos co-autores do livro "Que é o amor?", pode fazer o favor de ir ao blogue do livro responder a uma pergunta que está no primeiro post?
Agradecido.
António Rosa
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