terça-feira, 19 de setembro de 2006

Tristeza mesmo

O Outono mal começara. Ainda se demoravam lânguidos os entardeceres. Ainda se mostravam intrusas as gotas que confundíamos com orvalhos. Doces, frescos, pareciam cair segundo leis diversas da gravidade, os pingos de uma nuvem que passava envergonhada. Mal nos molhavam, e a terra ficava picotada em covinhas de uma superfície quase lunar. Não. Ainda não chovera apesar de tardes de céu em esconde-esconde de azul com o cinza das nuvens.
Numa tarde dessas, uma tarde de fim de Verão, foi que o coração se me mostrou apavorado. Eu nem era de pavores, nem mesmo dada a medos fossem eles de entrar ladrão na casa nunca suficientemente protegida, fossem de aparecerem nela almas ditas de outros mundos, penadas por mal morridas, me contaram. Nem medos de morte anunciada me haviam perturbado, nem pesadelos davam comigo em transes depois de abrir olhos esbugalhados a uma realidade que cria outra e em que sempre a luz de um candeeiro auxiliava. E, no entanto, nessa tarde.
Apertou-se-me o peito num sufocar interior. Assim como se ardesse um líquido no peito. Sobretudo, era no peito que o aperto e aquele calor acre se instalava. Partia de esse lá de dentro como se fosse uma parte de mim que desconhecera até então, uma força tão grande que nem me sentia mais que pensar nem no porque estava eu assim, nem no que poderia contra. Eu era impotente naquele mal estar que nem sabia se era de mim que vinha ou em mim se instalava. Foi quando senti medo. Foi quando uma torrente de água morna deslizou de meus olhos. Sei que pensei eu choro. Sei que me senti aliviada, mas foi aí que se entrelaçou uma dor tão forte quanto deslocalizada que nem era uma dor aqui ou acolá, nem dor de mim, nem dor de isto ou daquilo. Era uma dor e era mais que desgosto.(Foi só muito depois que pensei:deve ser isto que é estar triste.) As lágrimas corriam sem que eu sequer soubesse que algum dia limpara, de lenço ou de mão nua, a minha cara escorrendo lágrimas. Eram decerto outras estas lágrimas em torrente que deslizavam, pois nem se me alembrou, parada e recolhida que me achava, nem se medrosa ainda nem se apavorada, mas creio que apenas muito de alívio e doce se ía pondo o meu sentir, em cada uma que rolava.
Nem em nada eu pensava. Nada, sabem? Apenas, e era tanto! aquele chorar a um tempo penoso e aliviado da dor que me doía em local que nem era eu nem sei onde se aninhava. A tristeza instalada de surpresa nessa tarde de um Outono mal chegado. E ficou. Já lá estava.
Hoje, sempre que chegam estas tardes de Setembro, as tardes em que o sol só por cortesia ainda aquece, eu fico triste, diria que de uma tristeza recorrente. É então que choro devagarzinho, se posso em frente ao mar, e guardo aquele ficar triste para se um dia essa tristeza grande, Tristeza mesmo, me pegar.

9 comentários:

Nilson Barcelli disse...
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Nilson Barcelli disse...

Estás mesmo a precisar de um miminho...
Olha, se queres "empalhar" toda essa tristeza, aparece para uma desfolhada no Minho, não de miminhos, mas de milho.
Um beijo de mimos

augustoM disse...

A tristeza nem sempre precisa de motivação, reflecte somente o que vai no coração.
Um abraço. Augusto

Poesia Portuguesa disse...

Espero ver um sorriso no teu rosto, quando descobrires que te "roubei" um poema para postar lá no meu "canto"...
Algum inconveniente diz, que será de imediato retirado.

Um abraço carinhoso e fica bem ;)

A. Pinto Correia disse...

A tristeza precisa de uma profunda reflexão para que se dissipe. Encontrarás esse ponto de equilíbrio, ainda que instável.
Abraço

wind disse...

Escritora, como descreves tão bem a tristeza, algo que se sente e é tão difícil de definir.
Tu fizeste-o!
Como te admiro escritora e que coração grande deves ter para tansmitires assim a tristeza.
Imagem a condizer com a prosa:)
beijos

Poesia Portuguesa disse...
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Poesia Portuguesa disse...

Li agora o teu comentário no meu blog.
O Poema que escolhi, foi retirado daqui, deste mesmo blog, mas fui buscá-lo a Setembro de 2004 nesta página...
http://intervalos.blogspot.com/2004_09_01_intervalos_archive.html
Grata pela partilha.
Um abraço carinhoso e bom fim de semana ;)

Maria Liberdade disse...

Às vezes embrenhamo-nos na nossa dor e deixamos de viver... Ou vivemos à tona dos dias, à tona de nós...Sobrevivemos apenas.

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

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ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein