A mão ainda apoiada no rato, Marta acompanhou, distraída, o som do computador a encerrar enquanto arrumava a cadeira debaixo da mesa. Desligou o candeeeiro. A sala enorme estava quase despida de gente. Marta não precisou dizer de cumprimentos. Saíu pela porta contrária ao local onde duas pessoas ainda trabalhavam. Era sábado. Eram dezanove horas de um sábado de Carnaval. Chovera todo o dia. Marta retirou o casaco do cabide e pensou que não trouxera carro enquanto aconchegava a gola de cabedal sobre o cachecol. Teria que atravessar o largo cheio de gente àquele hora. Calçando as luvas, chamou o elevador. No espelho, percebeu o cabelo desarranjado e colocou a boina. Quando saiu do prédio de seis andares onde havia dez anos trabalhava, Marta parou um breve instante decidindo a direcção a tomar. Mais fácil era, naquele fim de tarde como em quase todos os outros em que decidia ir a pé, deslocar-se onde houvesse menos gente. Tomaria a avenida que ladeava o rio. Por aí teria sempre o passeio largo, se bem que fizesse mais uma centena de metros. E chovia. Uma chuva densa e de bagos miudos, mas contínua. Molhar-se-ía bem molhada, mas estava preparada e sentia, com um meio sorriso que não lhe chegou aos lábios, o prazer de andar vendo as luzes da cidade reflectidas no negro do rio. Caminhava já por entre uma multidão. Caminhava em sentido contrário à maioria deles, cada um cabisbaixo que se diria da chuva, mas Marta sabia ser assim em dias de secura. Eram, como ela, mais um entre muitos numa multidão buscando o regresso. Cada um, numa elevada percentagem, daqueles que ali se deslocavam, Marta pensava, se não fariam, dia após dia, um Carnaval sem mudança de personagem. Avivou-se-lhe essa imagem e foi olhando os rostos que por ela passavam. Máscaras. Marta via tantas máscaras. Passavam-lhe de frente e ela olhava-os. Passavam-lhe quase correndo e ela quase parava. Uma mulher de covas nos olhos e uma boca cerrada. Uma mulher com uma cara de rugas e dois olhos verdes decididos, mas tristes. Um homem de boca entreaberta numa palavra esquecida de dizer. Máscaras, pensou Marta.
Apressou o passso. O rio brilhava dos próprios reflexos. Marta sentiu o frio cortar-lhe a pele. Sentia-se repousada, serena. Seria a sua máscara transparente?! Não o acreditava. De um ou outro modo, todos temos essa máscara que nos resguarda, pensou Marta apressando o passo. Não se sentiu reconfortada com este pensamento. Mas, assim como assim, era Carnaval. Pensaria nisto noutro dia. Hoje, talvez até saísse com uma máscara na carteira para o que desse e viesse...
Apressou o passso. O rio brilhava dos próprios reflexos. Marta sentiu o frio cortar-lhe a pele. Sentia-se repousada, serena. Seria a sua máscara transparente?! Não o acreditava. De um ou outro modo, todos temos essa máscara que nos resguarda, pensou Marta apressando o passo. Não se sentiu reconfortada com este pensamento. Mas, assim como assim, era Carnaval. Pensaria nisto noutro dia. Hoje, talvez até saísse com uma máscara na carteira para o que desse e viesse...
6 comentários:
Fantástica prosa descritiva, a levar-nos a sentir o que a personagem sente, o uso imprescindível das máscaras que todos usamos. Foto a ilustrar bem o texto:) beijos
PS:Às vezes questiono se as máscaras que usamos não somos já nós mesmos.
Todos as usamos não é Amigona? De um modo ou outro, tapando mais ou menos, todos somos obrigados a usar máscaras. Está uma maravilha o teu texto, como sempre. E fico todo babado por teres usado a minha foto :) um beijo grande.
Antes de ler o teu texto, estive, vai não vai para me mascarar nesta virtual, num post onde por ventura, eu deixaria de ser o narrador real e de facto, para ser apenas uma personagem de faz-de-conta. Não o fiz. Porque a coerência da escrita e de mim próprio, a isso me obriga... com prazer, até no carnaval...
...depois li o teu post e prontos! Há tanta gente que se mascara por mim... . Parabéns!
Na verdade, nunca somos "tal e qual" nós. Vê lá como é complicado eu dizer isto, a mim passam a vida a dizer-me que sou "autêntica"... Tenho as minhas máscaras, todos temos. Se são defesa ou apenas necessidade de nos mostrarmos aos outros da forma que pensamos que eles desejam, não sei... :)
Bom dia de sol! Beijão
"Máscaras" e uma Marta contemplativa, atenta. Gostei outra vez da tua forma de escrever. Gostei da Marta, duma personagem quase perfeitamente construída em meia dúzia de linhas. Gostei da "forma", do "jeito" e do "estilo". Gostei dos "bagos miúdos" da chuva!...
Eu cá por falar em máscaras, gostava era de saber por que carga de água é que não me passas "cartuxo" acerca do nosso encontro, ó máscara... Então, conto contigo, ou nem por isso?
Está para aqui um homem cheio de carências, periclitante de atenções e só me aparece caixa do correio cheia, caixa do correio cheia...
Pois é, cara amiga, quero contar contigo. Mas, se não puderes vir, gostaria de contar, pelo menos, com os teus poemas. Que me dizes?
Desculpa o meio utilizado, mas por mail não estou a conseguir...
Beijos, ó máscara... Quem és tu?
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