Andei a cuscar noTócolante.
Este texto veio depois...
Maria Eduarda estava sentada com o portátil nos joelhos. Buscava umas fotos em CD’s. De repente, apareceu-lhe uma foto tirada na Associação de Estudantes da Faculdade.
Ficou a ouvir as recordações de um dia muito, muito longínquo. Tão longínquo que ela se espantou e quase duvidou das memórias. Um dia de Julho no “tempo do 25 de Abril”. Ela “fizera uma directa” no mesmo dia do acidente fatal de seu pai. As imagens vêm-lhe em falas e imagens.
-Olhe-me essas mãos, Eduarda. Que andou a menina a fazer?
Eduarda deu-lhe um beijo nos cabelos brancos escondendo as mãos nos bolsos do casaco de ganga.
- Vou tomar um duche e tu vais ser um amor e aqueces-me qualquer coisinha para eu comer. Sim, Rosarinho? – E sorria com uns belos olhos que traduziam cansaço.
- Ai menina Eduarda os seus paizinhos andam ralados – não pára em casa desde que a madrugada de dia 25 e já entrámos no mês de Julho.
- Eles estão em casa? – o sorriso abriu-se-lhe e o cansaço esbateu-se. A resposta negativa da velha criada marcou de tristeza o rosto muito jovem.
- Sabes por onde andam?
- Parece que o paizinho anda pelo Norte na campanha de vacinação e a mãezinha já sabe...
Eduarda sorriu e dirigiu-se para o quarto.
A Rosarinho não a podia ver assim, habituada que estava a trazê-la sempre arranjada e limpa. Sempre limpa como gostava e exigia a mãe. E agora, era o que espantava mais a Rosarinho, mãe e filha, desde aquela madrugada, andavam de cabeça no ar, sempre dentro e fora, sempre discutindo, sempre com papéis na mão. E Rosarinho percebia que pai e filha tinham as mesmas opiniões diferentes das que a mãe defendia. Muito diferentes. Mas ali em casa, quando se encontravam, discutiam de modo simpático e até parecia que não estavam a discutir. Nessa noite Eduarda não dormira em casa. Acabara de chegar. Eram quase seis horas da manhã.
Eduarda estirou-se em diagonal na cama e semicerrou os olhos. Estava cansada, mas sentia que era necessário. Olhou as mãos negras. O negro maldito da tinta com que besuntava o rolo enquanto o fazia ficar uniformemente embebido rodando-o com a manivela. Uma manivela enegrecida que mais contribuía para o sujar das mãos. Ficara a noite toda de roda daquele máquina rodando a cada folha que o rolo lambia sobre stêncil. O stêncil que a Manuela batera à máquina no fim da tarde. Eduarda sorriu daquele seu pensar sobre o negro das mãos. Horas e horas de trabalho para que a brigada estivesse a distribuir material logo pela madrugada quando a fábrica começava a receber os operários.
O telefone tocou...
Eduarda afastou imagens e recordações dolorosas.
Ateve-se à tecnologia. Racionalizou.
Até ela desacreditava no diferente que era aquele tempo – a dificuldade em fazer uma cópia! O Stencil que rasgava quando era preciso fazer um desenho...a dificuldade em apagar – aquelas tintas brancas...os vernizes. Eduarda sorria esquecida do moderno portátil, olhando para lá da imagem espantada no ecrã - ela numa saia de pregas muito curta e um casaco de ganga, a Manuela sempre de preto (onde andaria?!) e aquela máquina de off-set muito, quase, em primeiro plano a mostrar-se como uma relíquia juntamente com a máquina de escrever.
Ficou a ouvir as recordações de um dia muito, muito longínquo. Tão longínquo que ela se espantou e quase duvidou das memórias. Um dia de Julho no “tempo do 25 de Abril”. Ela “fizera uma directa” no mesmo dia do acidente fatal de seu pai. As imagens vêm-lhe em falas e imagens.
-Olhe-me essas mãos, Eduarda. Que andou a menina a fazer?
Eduarda deu-lhe um beijo nos cabelos brancos escondendo as mãos nos bolsos do casaco de ganga.
- Vou tomar um duche e tu vais ser um amor e aqueces-me qualquer coisinha para eu comer. Sim, Rosarinho? – E sorria com uns belos olhos que traduziam cansaço.
- Ai menina Eduarda os seus paizinhos andam ralados – não pára em casa desde que a madrugada de dia 25 e já entrámos no mês de Julho.
- Eles estão em casa? – o sorriso abriu-se-lhe e o cansaço esbateu-se. A resposta negativa da velha criada marcou de tristeza o rosto muito jovem.
- Sabes por onde andam?
- Parece que o paizinho anda pelo Norte na campanha de vacinação e a mãezinha já sabe...
Eduarda sorriu e dirigiu-se para o quarto.
A Rosarinho não a podia ver assim, habituada que estava a trazê-la sempre arranjada e limpa. Sempre limpa como gostava e exigia a mãe. E agora, era o que espantava mais a Rosarinho, mãe e filha, desde aquela madrugada, andavam de cabeça no ar, sempre dentro e fora, sempre discutindo, sempre com papéis na mão. E Rosarinho percebia que pai e filha tinham as mesmas opiniões diferentes das que a mãe defendia. Muito diferentes. Mas ali em casa, quando se encontravam, discutiam de modo simpático e até parecia que não estavam a discutir. Nessa noite Eduarda não dormira em casa. Acabara de chegar. Eram quase seis horas da manhã.
Eduarda estirou-se em diagonal na cama e semicerrou os olhos. Estava cansada, mas sentia que era necessário. Olhou as mãos negras. O negro maldito da tinta com que besuntava o rolo enquanto o fazia ficar uniformemente embebido rodando-o com a manivela. Uma manivela enegrecida que mais contribuía para o sujar das mãos. Ficara a noite toda de roda daquele máquina rodando a cada folha que o rolo lambia sobre stêncil. O stêncil que a Manuela batera à máquina no fim da tarde. Eduarda sorriu daquele seu pensar sobre o negro das mãos. Horas e horas de trabalho para que a brigada estivesse a distribuir material logo pela madrugada quando a fábrica começava a receber os operários.
O telefone tocou...
Eduarda afastou imagens e recordações dolorosas.
Ateve-se à tecnologia. Racionalizou.
Até ela desacreditava no diferente que era aquele tempo – a dificuldade em fazer uma cópia! O Stencil que rasgava quando era preciso fazer um desenho...a dificuldade em apagar – aquelas tintas brancas...os vernizes. Eduarda sorria esquecida do moderno portátil, olhando para lá da imagem espantada no ecrã - ela numa saia de pregas muito curta e um casaco de ganga, a Manuela sempre de preto (onde andaria?!) e aquela máquina de off-set muito, quase, em primeiro plano a mostrar-se como uma relíquia juntamente com a máquina de escrever.
modelo de duplicador como também se chamava
Um site sobre máquinas de escrever antigas
9 comentários:
Olha as recordações que ela foi acordar! :) Bons tempos... acreditávamos tanto no que fazíamos!
Está visto que o papo-seco te arranjou matéria de inspiração... e eu gostei de ler e recordar.
Beijão
Excelente prosa de como era a realidade pós 25 de Abril de 1974. A colecção de máquinas é lindíssima. beijos
Muito bem :)
Feminino até ao tutano
Merece continuação.
É um intermédio
Precisa de justificar o passado e de escrever o futuro
......
Já percebi que cheguei tarde
Palavra que já tinha arrumado na gaveta das recordações mais antigas a "tecnologia de ponta" dos idos de sessenta/setenta.
Faço minhas as palavras do Manuel, com a devida vénia.
As tuas qualidades de contista mais uma vez ilustrada neste texto.
Abraço.
Olha lá as recordações que ne despertaste.
Também com rolos sujos de tinta, stencils frágeis, noitadas de ohos doidos de sono.
Só que as minhas recordações remontam a um bocado antes do 25 de Abril.
Nos gabinetes mais escondidos das AE´s, abafando o ruídos dos velhos duplicadores para que os rafeiros raejadores da pide não dessem conta de que ali se geravam palavras livres.
E, então, rasgava-se, a porcaria do stencil e havia que bater tudo, de novo! Tac-tactac-tac-tac, matraqueavam as teclas da máquina, numa rajada após outra das palavras que iriam construir o homem novo e os amanhãs que cantam e outros sonhos e esperanças de frágeis lutas. Mas de intensas lutas, a encher de súbito sol os redutos clandestinos onde a liberdade ganhava asas que não havia masmorra que impedisse de voarem...
(Pois é... Ainda um dia hei-de escrever alguma coisa sobre estes tempos).
Ficou um brilhozinho nos olhos com esta tua excelente evocação, minha amiga.
Um abraço.
tmb fiz aluns jornais por esse método...Lembro vagamente...Foi há quanto tempo? E como s emede este tempo, ou qq outro? creiok foi numa outra vida de k, volta emeia tenho uns vislumbres...
Bjs e ;) e boa semana
um belissimo texto. adorei. quase me senti a viver aqueles tempos.
e a coleção de máquinas é soberba.
agora uma questão tecnica. sempre que te comento recebo um mail a dizerque o comentário não foi entregue. sabes o que isso quer dizer?
beijinhos e continuação de excelentes textos como este.
Olá!
Sou escritora e nesta minha visita ao seu blog noto que você é uma pessoa romântica e gosta de literatura. Quero lhe fazer um convite, para que conheça o meu site de poesias.
www.umamulherumpoema.recantodasletras.com.br
Um grande abraço e sucesso.
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