segunda-feira, 11 de abril de 2005

realidade/s

Nem um traço de caminho. Nem um sinal de orientação. Nem luz, nem sombra, nem um estrebuchar de ave volvendo ao ninho perdida na debanda a outro rumo. Nada . Nem um som de galo desatempado. Escuro e silêncio. Ficar pairando em nada e andar. Deslocar o corpo. Um corpo deserto de si. Um eu desorientado de nada. Nada. De repente, um roçar de seda fria na mão. Um estremeço... medo, espanto, desejo, esperança. Alegria? Não.
Agora, um sentir de carne
Uma pele roçando. Em redor a negritude e aquele nada de nem sequer o silêncio por comparado. Nada. A pele e a seda. Começas a sentir que existes. Há algo que se relaciona contigo. És. No nada, a pele e o tecido. Não sabes. Sabes que se rompeu o nada. Dás um passo e sentes um soprar quente na zona que te lembras ser a mão de um dos braços. O teu braço ergue-se para alguma coisa-alguém. Pára. A mão que o teu braço conduziu no espaço deserto de som e luz, encontra um rosto. Desliza devagar e sente-o peça a peça: nariz longo, olhos semicerrados, as pestanas, sobrolhos fartos, um queixo ossudo. Tu tens uma pessoa contigo. Afagas o rosto. Um dedo da tua mão encontra a cavidade da boca. Percorre os contornos internos de uma boca que se fecha e te entrega a suavidade húmida de uma língua. O teu dedo rola no interior daquela cavidade que o lambe e morde com dentes pequenos e agudos. O silêncio arde. Não sabes se falas. Sabes que pensas. Sabes que não ouves. Nada. Vazio?! Dás um passo a encontrar o corpo. Envias a mão no erguer do braço e buscas. Acima e abaixo daquela boca e daquele rosto...nada. Duvidas. Retornas. Outro passo. O dedo revolteia na contorção da língua e sentes o bafo quente. Mais nada. Estás ali... num ali que nem sabes o que é porque sem referencias. Contigo uma face, uma boca, uma língua. Sem corpo. Volteias o braço em redor de ti. Não tocas. Não te tocas.
Dois braços. Duas mãos e um rosto com boca e língua que lambe e dentes que mordem. Sentes a suavidade da pele e aquela outra de seda caída do cima do rosto. Puxas devagar o dedo. Solto o dedo da boca. Coloca-lo sobre a outra mão. Seco. Lambido, o teu dedo está seco.
Uma luz intensa embate nos olhos que fechas com pressão das pálpebras. Encolhes o corpo numa uterina postura. Um ruído intenso. Um som que não dominas. O dedo seco aprisiona algo. Ergues-te na luz branca do quarto. Tocas, incrédulo,uma parede. Apalpas. A parede água suga a tua mão. A tua mão, além,um jacto de água.
Ah! o barco! ela no barco! há quanto tempo?!
Agora te sabias. Vagavas de quando em vez...Agora te sabias ser. Frequências interferindo te faziam ser.Pedaços. Pedaços de ser.
O que fica da gente! pensaste tu. A parede de água enrolou-se-te nos pedaços de ti.
partiste? tu? quem? onde? quando?

(Nada. Nem um som de galo desatempado. Escuro e silêncio. Ficar pairando em nada e andar. Deslocar o corpo. Um corpo deserto de si. Um eu desorientado de nada. Nada.)???

13 comentários:

Nilson Barcelli disse...

O que é que eu digo agora?
Como?
Esta maneira de escrever, que é um estilo, tem um nome qualquer que eu não sei (surrealismo?), porque a minha cultura literária é diminuta.
Sei que consegui ver tudo direitinho (ou não ver o que havia para não ser visto).
E sei que o texto é fabuloso. Do melhor que já vi na blogosfera.
Passei a olhar-te de outra maneira, apesar de já ter lido coisas igualmente boas. E vejo que perdeste o medo do abismo das palavras em definitivo (se não o tinhas perdido já).
Acho que fizeste bem em arriscar um texto como este. Deves estar orgulhosa com o resultado, pois tens razões para isso.
Hoje mereces mil beijos.

lique disse...

Eu volto para ler com calma. Por agora, prometo votar em ti se aceitares o desafio que te faço :).
Vai a http://eu-de-novo.blogspot.com e não interrompas esta cadeia que me parece bem interessante. Se aceitares, deverás publicar as respostas no teu blog e passar a três pessoas.
Beijão

wind disse...

Estou pasma! Mais um extraordinário texto em que me surpreendes. Estou sem palavras. Apenas :magnífico! Beijos*

lique disse...

Pouco a pouco vais soltando de ti o que aí está dentro. Para mim tem sido um verdadeiro privilégio assistir a este abrir de palavras que me encantam, a esta torrente de textos, cada um mais belo que outro. E também te vais soltando. E a beleza aumenta, acredita! Beijão, mulher.

Ana Russo disse...

Desta vez comentarei pouco... ou nada... estou apenas a tentar informar todos os que faziam parte do meu leque "bloguístico" que "ressuscitei" o meu blog. Trata-se de um blog assumidamente fotográfico em que todos os comentários e críticas serão muito bem vindos. Apareçam :) Bj. Penelope

Conceição Paulino disse...

Um belo texto onde apetece mergulhar de cabeça para nos perdermos nesta intemporalidade, deste quase-sem-espaço k afinal existe.Bom resto de semanan. Bjs e ;)

Conceição Paulino disse...

Um belo texto onde apetece mergulhar de cabeça para nos perdermos nesta intemporalidade, deste quase-sem-espaço k afinal existe.Bom resto de semanan. Bjs e ;)

bertus disse...

...depois de o que ficou dito mais atrás pelos teus comentadores, que posso eu escrever?! Nada...o que é bastante cómodo para mim, diga-se em abono da verdade. Portanto é assim: não digo nada. Espera; não te vás embora!! que ainda não acabei. Escrevo que fico muito sensibilizado por te ter como amiga. Chega assim? Estas mais satisfeita?
Abraço e intés!!

Alexandre de Sousa disse...

Sempre que aqui venho (visita diária obrigatória) corro ao primeiro posto de primeiros socorros em busca de oxigénio.
Aqui entre nós, fico sempre com uma pontinha de inveja que até me dispenso de utilizar adjectivos. Vá lá, apenas um: magnifico

Alexandre de Sousa disse...

Já fiz tudinho com um menino obediente. Que tal espreitar em gregueriaii.bogspot.com???

agua_quente disse...

Acho que se lesse um texto teu não identificado em qualquer lado, saberia que era teu. Chama-se a isto originalidade, estilo próprio? Bem escrever, de certeza. Beijos

Anónimo disse...

sabes o que faz uma escritora? é o estilo! é um prazer ler-te e para mim difícil comentar-te.

beijos

Alexandre de Sousa disse...

Não era suposto já lá estar?

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein