O alguidar verde olhava-a debaixo para cima assente no lajeado do quintal. Uma manga de camisa de um azul usado, caía de cima de uma amálgama de cores molhadas. Um bolo de aniversário muito enfeitado... podia parecer. Podia. Podia a outro que olhasse o alguidar e a roupa dentro. A ela, o alguidar olhava-a. Ela nem disso encontrava modo de se ali ficar. Lonjeava. Olhava distraída. Uma distracção de ausência. Um não estar ali que sempre se lhe dava. Sempre, naquele debaixo de sol. Sempre, naquele abrir e fechar de molas. Sempre se fugia dela. Sempre se ia voando para longe de ali.
Debruçava na roupa. Erguia no arame. Ritmava, doce, num pensar que lhe abria covinhas na face. Num pensar que acentuava a nesga de olhos que o sol frisara. O sol e o de erguer a roupa. O sol e o alguidar de azul olhando-a repleto de roupa que era de ser vestida pelos da casa. E mais se alonjava de aquela roupa. Mais se ia longe daquele ali onde estendia roupa com molas. Mais, nesta roupa esticada em grande. Esta, dependurada a toda a largura: uma mola, duas, mais uma. Um roçagar na mão sobre uma cor de rosa de flores miudinhas. Das mãos, redobrada no arame, soltava-se roupa de adormecer. Um pano grande, represado em molas de cores garridas.
Voar a roupa dali e ir ela andando com esses voares. Haveria de ver muitas outras assim cadenciadas num levantar e baixar sobre a roupa de dormir.
Ela, naquele voar por cima de muitos estendais em terras outras que sonhava ali. O sol batendo forte e o olhar piscando. Ela se via arrancando as molas e levando os panos de esticar em cama de dormir.
Não. Nem era assim que ela via, agora que o sol passara debaixo de uma quase nuvem.
O que ela via mesmo, era como ela faria naqueles e em outros panos de cobrir cama. Como ela faria e como ela veria. Ela, voando com o vento que fazia vapor e assim secava a roupa. Ela, sonhava o lençol dormido.
O alguidar olhava-a debaixo, de sobre o lajeado. Um alguidar redondo todo azul. Olhou-a de tal olhar que ela se fixou nele e voltou do lonjear onde andava.
Escondeu-lhe o côncavo no lajeado. Não mais alguidar olhando-a.
Um banco. Sentou nele a saia e ficou olhando. Olhando a roupa volteando colorida.
Mais do que o calor do sol, apesar da nuvem, o corpo dela era todo quentura.
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saiba porque não fui ao jantar da Pandora AQUI
15 comentários:
Asssim como tu, sinto o vento parte de um espetáculo particular!
beijos
Belo, mais uma vez extraordinária a tua prosa poética. Fico sempre à toa para escrever algo mais. beijos*
...quase de saida para um jantar de gentes "destas lides", parto, deixando para trás, com pena, esta rapariga "dos sonhos de lençóis ao vento", bandeiras românticas de "um amor a enxugar ao sol".
Tem um bom sábado e...
Intés!!
Para isto, usaste a imaginação e não só! Deste de ti um pouco do muito que tens!
Estendais, soprados pelo vento, sussurrando murmúrios, trôpegos, vexados, carregados de histórias, de mentiras e verdades amargas.
Muito bonito este conto.Parabéns pela escrita.
Bom domingo.
Bjs.
Acabei de conhecer um blogue espectacular, sabias?? Sim, é mesmo este, o teu. Parabéns.
Partiste de uma situação aparentemente tão simples e pouco poética e chegaste a um texto de qualidade excepcional. Dá gosto ler-te e ver ondular a roupa ao vento. Muto belo.
Agora, sem ter nada a ver com o texto: já respondi lá no Bertus á tua provocação.:) E merecias mais!
Beijão
...MAS ESTA ROUPA NUNCA MAIS ENXUGA!!!!!!!!!!!!
A tua estória é tão encantatória que fiquei à espera que ela voasse mesmo com o lençol! Beijinhos e continuação de boa semana :-)
Olá
Há pequenas tarefas do quotidiano que podem ter um encanto se o valor que lhes for atribuido sair, ver-se livre da rotina esmagadora.
bjs
Adoro essas expressões que usas:
roupa de dormir, panos de cobrir cama, etc.
O teu linguajar resulta numa arquitectura perfeita de simbiose com a mensagem. Pelo menos, a mim, chega-me inteirinho o cheiro dessa roupa lavada, embrulhada em pensamentos a 'secar'...
;) Kisses
Quase senti o cheiro a roupa lavada. Não estou a anunciar nenhum detergente! Bj da Fernanda que no II não deixas comentar anonimamente.
Oh D. Seila, então a menina faz uma dissertação sobre ela (presumo que "ela" é a menina da aldeia da roupa branca) e esquece-se da gravíssima afirmação (ou boa, conforme o ponto de vista) acerca da minha pessoa?
Eu relembro, porque você devia estar "passada": o que disse foi: «eh! pá a tua é mais comprida!!!!!!!!!!!!! fixe Nilson rsss».
Sabe o que você arranjou, sua depravada? As meninas não me largam, é um verdadeiro massacre (já ultrapassou a fase do assédio) por telefone, E-mail e papelinhos com súplicas explícitas. E agora diga-me sua espertinha: provo mesmo que é a mais comprida ou fujo para o Algarve? O que é que eu digo à minha mulher?
também fiquei intrigado como é que a Seila soube. Eu sei que estas coisas circulam depressa, ainda mais com a comunicação pela internet... mas o que eu não esperava mesmo foi a sua indiscrição...
Passando de pato para ganso...
Gostei do teu texto à volta da roupa e das molas. Pela excelente escrita e pelo inusitado do enredo. Gosto quando te abeiras do precipício, isto é, quando obedeces a um desafio interior de escrever coisas mesmo diferentes das habituais. Continua a assumir esse risco porque isso é que dá gozo (no meu ponto de vista, claro). Mas não caias... rsrsrs.
Beijinhos.
Chiiii...Estava entretida e deliciada com a roupa e o ventinho ,a saborear esse estar ao sol...quando de repente, chegando ao fim e olhando as molas coloridas ,me lembrei:CARAÇAS!A roupa que deixei na máquina desde manhã e me esqueci de estender!!!!
(com licença, tenho que ir lá estendê-la!)
Tu és capaz de tornar poesia coisas tão simples como estendais de roupa :-)
Sabes que te admiro pela escrita maravilhosamente diferente mas já não te digo mais para não ficares convencida ;-)) beijo
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