sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

encontro/s

Maria sentava-se de vez em quando naquele banco. Era um banco de jardim igual a tantos outros que se espalhavam há anos, tantos, pela pequena cidade. Aquele sobrara da renovação que fizera o município. Ficara como que esquecido naquele recanto. Sim que não fora decerto amor a algum romance ali passado! E, daí, quem sabe?! Quem sabe se, no plano de renovação, não teria alguém desafectado aquele, precisamente o banco que Maria costumava ocupar, por via de a esse alguém ser o banco motivo de recordar?! Quem sabe?
Maria estava sentada no banco. Mais uma vez, descera devagar a rua estreita que desaguava naquele larguinho frente ao rio. Ali como se o rio fizesse uma esquina e o banco ficasse resguardado de tudo. Ninguém o via. E dele via-se muito. Maria sabia. Sentada quase abraçando com o corpo o todo da madeira, estava mais deitada que sentada. Lânguida. Deslassada. Esticavam-se meio cruzadas as pernas recobertas de meias e descida a eito sobre elas a saia de lã comprida e rodada. O braço direito caía dependurado na parte do banco oposta ao rio. O braço todo, não. Apenas a mão e uma parte do pulso de onde balouçava uma corrente de ouro com uma cruz pendente. A cabeça de Maria estava a ser aconchegada pela mão esquerda, o cotovelo assente na leve curvatura que fazia a parte cimeira das costas do banco. A cabeleira loura levemente encanecida derramava caracóis desalinhados quase tapando a mão.
Seriam as cinco e meia duma tarde de Inverno. O rio corria sereno. Liso. Prateado? Não. Era um rosa amarelado. O sol devia andar tentando dormir ali bem perto. Um silêncio enrolado com o frio soprava nas folhas do ulmeiro espelhado no rio.
Um homem de samarra aproximou-se. Estacou. Ficou olhando. Desviou o olhar. Torneou o banco. Olhou para trás. Voltou. Cumprimentou Maria com um aceno tímido no transparente azul do olhar que a olhou. Sentou-se na ponta extrema que o corpo de Maria deixara vago no banco. Desencostado. As mãos unidas entre os joelhos muito ajustados um ao outro. Uma quase vergonha de se ali estarem sentados. Maria endireitou-se. Sussurrou um esteja à vontade; gosto deste recanto. O homem olhou-a de novo com aquela transparência de azul no olhar. Ficaram até que o sol já se dormia e a bruma do rio era só a luz que fazia no escuro da noite antecipada de um Inverno. Maria ficou a conhecer a história daquele banco.
Quando acordou, tinha frio. Ergueu a mão donde pendia a corrente. Eram as oito. Já noite. Espreguiçou-se. Sentia uma leveza boa como se alguma coisa tivesse de facto acontecido. Maria levantou-se. Olhou o banco e sem pensar disse com um tom meigo: Boa noite! Eu volto!

14 comentários:

Micas disse...

Começar a 6feira por aqui, só pode correr bem o resto do dia :). Adoro cá vir. Beijinho e bom fim de semana.

Anónimo disse...

sente-se a presença das personagens como do rio, da paisagem que se vê do banco que quase ninguém vê. Eu nunca consigo descrever personagens assim, fisicamente, tão rente ao corpo (mas isso é uma insuficiência minha que não importa agora). Aqui acompanho ambientes com gente lá dentro, e sempre o desespero adiado no reencontro com os estranhos, pois a cidade é assim, tal como a descreves: toda a realidade tem direito a sentar-se num banco, e é difícil isto! As pessoas passam sempre como se tivessem um destino, andam atrás de horários e percorrem trajectórias certas (confesso que não tenho essa coragem, quando vejo um banco não sei sentar-me ali, vou com os outros e finjo que tenho sempre obrigações a cumprir). (Willnow)

Menina Marota disse...

Em tempos, tive um banco predilecto, onde me sentava a ouvir a maravilha que é, o esvoaçar das palavras...

Elas perderam-se por outros jardins e, agora aquele parque está deserto, o banco lá está, de vez em quando, esperando por mim.

Mas eu, triste, perdida no tempo e no espaço, fico solitária de mim e, olho com saudade o tempo, em que as palavras esvoaçavam, formando um quadro de mil cores, que me faziam sorrir.

Volta e meia ... eu volto... mas o parque está vazio.

Digo-te boa tarde. Eu volto. Aqui!

http://eternamentemenina.blogs.sapo.pt/

Mushu disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
bertus disse...

...agora que a minha amiga Mushu já se levantou, é a minha vez de me sentar aqui um bocadinho; não muito, que os afazeres são cada vez mais, neste tempo de correrias que nem tempo se arranja para estar um pedaço à conversa com os amigos...dantes, isto não era assim , não, mas enfim, sem querer ficámos escravos do tempo, coisa estranha...
pois é: tu e os teus "encontros-diálogos-que-são-realidade-porque-queres", e a derramares histórias aqui para este sítio de convívio, também na expectativa de que, quando alguém passar te dê uma palavrinha (quem não gosta de se sentir cumprimentado, que lhe perguntem pela família, pelo cão ou pelo canário?!) ou te questione «isso do banco foi assim mesmo? o homem tinha um olhar claro que inspirava confiança? e...».
Não te pergunto nada. Apenas faço conversa.Que sei que gostas. Fica bem.
Intés!!

wind disse...

Incrível, visualisei tudo e estava à espera de mais:-) beijos*

Anónimo disse...

Que maravilha! É sempre um enorme prazer vir aqui ouvir-te. beijinhos muitos e um óptimo fds :)
Cinda

Lady disse...

Estava tão atenta a ler a história, que quando cheguei ao fim, me arrepiei toda com o final dela!!! hehehehe! Mas gostei! beijinhos

Anónimo disse...

O tempo é sempre pouco para visitar os blogs q gosto. Mas gosto sempre quando cá passo ;) Beijinhos e bom Domingo

Anónimo disse...

Aqui há quase sempre uma boa surpresa. Beijos.

Anónimo disse...

Ler-te, algarvia marafada :), é das coisas boas que aqui a blogoesfera nos pode dar. Cada vez melhor. Serás como o vinho do Porto? Beijos.

Poemas de amor e dor disse...

As histórias que eles contam. É preciso ter coragem para não recordas velhas histórias que os bancos nos contam. Ontem sentei-me por um pequeno lapso de tempo e foi o suficiente para ouvir histórias de arrepiar o que me valeu foi a chegada de um indigente que correu comigo. Afinal ali era o seu quarto de dormir… ao relento
Rogério Simões

mfc disse...

Uma história simples do quotidiano.
O rio era a vida que lhe passava à frente!

lique disse...

Não temos sempre um banco (ou um muro, ou...) , poiso preferido onde paramos para ver uma qualquer paisagem ou para nos vermos a nós? Adorei o teu texto, mulher. Proíbo-te de ripostar, tu escreves mesmo muito bem! É um prazer vir aqui. Beijão.

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

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meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

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dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein