terça-feira, 23 de novembro de 2004

saudades

Tenho saudades hoje
De coisas simples

Um bocado de corda pra saltar
Dois berlindes
Um aro de bicicleta e um ferro
Um carro de linhas, sabão, elástico
Um prego grande
Uma meia velha cheia de trapos
Um grão de bico um pedacinho de tecido
Um biscoito frito
O doce na côdea humedecida na boca
Uma fita vermelha no pescoço

Hoje tenho saudades dessas e outras
Simples...simples coisas

Um cabelo entrançado em duas
Um bibe branco... a mala de cartão
O cheiro de borracha e tinta
O quadro de artista plástico
num mataborrão
e no papel dobrado em dois
as formas fabulosas dum borrão

Hoje as saudades crescem-me
Saudades de coisas simples
As coisas, afinal, que me deste...vida

O cheiro que a terra tinha então
O sabor diferente em cada fruta
Joelhos esfolados lambidos a cuspo
A cópia rigorosa de caligrafia
A caneta de aparo
O tinteiro de loiça no buraco
O beijo trocado no banco do quintal
A cama de ferro de lençóis de linho
A palha solta do colchão riscado
Aquela tarde que não acabava
O verde mais verde que havia num prado

Hoje, nem eu sei...
Ficou-me uma saudade...

Do mar que era de cheiro intenso
Das covas na areia até ficar tapado
A bicicleta com dois, três e quatro
E a lama...a terra suja no vestido
E o vento molhando de maresia
E a chuva trespassando a alma
E os rios que corriam devagar
Os rios sempre quase parados

Hoje se continuo assim escrevendo
Hoje rebento de saudades

Hoje tu partiste
Foste de mansinho...
Sorrindo... acho...
Partiste agarrado à Vida
E eu fico falando assim
Destas saudades



a tua praia

17 comentários:

Anónimo disse...

Saudades das simplicidades da vida...

Anónimo disse...

A vida nunca é simples, pois não? E pensando nisso, é mais rica assim a vida que pensamos por dentro das coisas e do passado que é de onde vem tudo. Posso recordar meus tempos de brincadeira e de escola, meus desenhos geométricos com tinta-da-china (tive um professor de desenho muito exigente). Mas eu adorava o compasso e a tinta-da-china (quase nenhum desenho me resultava perfeito). Adoro o baloiço e o velho arco como a tinta-da-china. Mas, pensando bem, antes da tinta-da-china há a descoberta da tinta, flores esmagadas pela paixão da cor e, além disso (credo!), ainda há a própria China! (Moral da história: o que complica tudo é pensar nas coisas simples). (willnow de indolentia).

almaro disse...

Não gosto de definições.
Prendem.
Mas faço as minhas quando me distraio e dou respostas a quem não as pede.
Afinal não são respostas, porque uma resposta é algo definitivo, com ponto final. Uma resposta é uma decisão.
Uma definição prende, mas pode libertar-se, não tem nada de definitivo, (desculpa adulterar a definição das palavras, sobre tudo desta tão definitiva…) porque resulta do momento, e momentos, Deus meu, são infindos…

“ A saudade é uma espécie de sonho do sentir. Quando chega, imaginamos o que já foi e o que este ( já foi) seria se não a sentíssemos…”

“ A saudade, mesmo doendo, é uma mão dada, um abraço entre almas…”

Eu tenho saudades do meu pião, que jogava só para ver as pombas voar…

wind disse...

Porque é que o que escreves me emociona sempre? Passas os sentimentos de uma maneira...:) beijos:)*

lique disse...

Puseste-me a pensar na infância (lá tão longe) e nas coisas que parecem agora simples mas na altura não eram. Nos doces da minha mãe, no pão com azeite e acúcar, na manteiga em grandes latas... tanta coisa. Viste o que fizeste com este poema de (tão bela) saudade? Beijos, mulher.

Anónimo disse...

Novembro... ao lado da partida do meu pai, fica-me este teu poema a marcar a SAUDADE, palavra que só nós sentimos. Esté belo belo belo, ADOREI. Beijinho***

Anónimo disse...

desculpa nao assinei antes; Lina Acordomar *

Nia disse...

...uma voz de muitos anos,cansadita ao telefone, mas com vontade de viver...o meu pai.
Cartas de papel em tempo de informática, com manjericos dentro...a minha mãe.
Estão longe...e tão perto.
Tenho saudades já, ainda há bocadito estiveram tão perto.
Tenho saudades já...e vou ter para sempre.

Anónimo disse...

Li, reli e fiquei sem saber o que dizer. Gostei de te ver contar as recordações de infância mas aquele final é muito doloroso...
Beijinho.

Jorge Castro (OrCa) disse...

Saudade da simplicidade, é verdade. E a dificuldade da simplicidade?... A complexidade da simplicidade?... Ah, que vontade de sair da cidade e percorrer esse tempo sem idade onde habita a felicidade...

Bonito poema, SeiLá. Olha, bonito, uma porra, como diz o outro! Bom poema, carais! Cores, gritos e vida!
Beijos, minha polemicosa com alma e tudo!

Anónimo disse...

Olha, olha... a praia do banho nocturno!... :)
M...

bertus disse...

Também eu tenho saudades olha que gaita! pensavas que eras só tu, não? mas olha que cada vez gosto menos de voltar atrás no tempo que o tempo é imenso e as viagens de ida e volta demoram comó caneco! viagens de uma porrada de anos que até parecem interplanetárias, que só de foguetão. De resto, não gosto de me emocionar com esses "regressos ao passado" e sobretudo recordar os rostos que me acompanharam nas brincadeiras até à adolescência e olhá-los agora, na actualidade. Que raios! como o tempo marca as pessoas que não dão pelo tempo passar e como isso é estéticamente desagradável...
E eu a afirmar no meu post de hoje que "me sentia bem"! Tu e a Lique, com os vossos posts anularam-me os feelings. Malvadas!!...mas amigas!
Fica bem com as tuas saudades, que eu fico com as minhas. Beijos e intés!!

Anónimo disse...

olha a "turbulenta" Sei Lá, numa de nostalgia...
mas as saudades não são da infância, não!... (digo eu, sei lá! rss )

gostei, verdeiramente!

aceita um beijo

DonBadalo

Anónimo disse...

Ó minha marafada, olha lá o que fizeste! Tudo práqui de lagrimita ao canto do olho a recordar pão com azeite e açucar, lançamentos de piões e eu Seilá mais o quê... que bem que escreves, minha amiga. Um beijo grande.

Anónimo disse...

Ai, estas evocações dos Verdes Anos de todos nós...Belíssimo poema, parabéns :-)
Dora
www.atrasdaporta.blogs.sapo.pt

mjm disse...

Lembrar. Lembrar sem doer.
Lembro de imediato fingir estar a dormir, quando a minha mãe saía para trabalhar, ainda de madrugada, saltar da cama e embrulhar-me num xaile que roçava o chão. Passinho estugado, a atravessar a mata e bater à porta da avó-ama e espantá-la de exaltados cuidados, mas cúmplice de encantos.
A luz do candeeiro a petróleo, o cheiro do fogão de lenha, os lençóis firmes de linho tosco ainda quentes do corpo dela. E ali merecia terminar o meu sono.
Quando à tardinha me iam buscar e se faziam as contabilidades das galinhas depenadas à revelia, dos pinhões com dedos sob a pedra de parti-los, aquela alma sempre mentia ter-me encontrado a dormir pela manhã.
Que bom que é o cheiro de quem nos ama!...

Anónimo disse...

Saudade... saudade... saudade!

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

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meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein