Irene Fogaça viaja na camioneta rumo a sul.
É o mês de Nossa Senhora, e nem o sol redondo,
inchado, prenhe de fogos e de medos a mostrar-se bailando aos olhos peregrinos,
fálicos de segredos e de terços. Os olhos deles intumescidos de pecados, a
cumprirem promessas, a sangrar orações pelos caminhos. E o sol sem aquecer
asfaltos para que escaldem as pedrinhas e fervente a terra a tornar mais
apetecido o sacrifício, mais suculento o pé a quem o trata com desvelos de
pomadas e águas quase bentas.
Um horror estes dias com o sol filtrado, pensa Irene
Fogaça a olhar a estrada.
Ela a imaginar o calor sufocante que fará no recinto.
Um calor a embeber as frontes com suores gelados, que são assim os suores de
tristezas e doenças, e os suores de medos.
E nem uma aragem que rode um
cata-vento. Meias luas e palhaços e figuras do zodíaco, ou uma cabra. Bichos
talhados em pedaços de lata a apontarem, ainda, ao vento de há dois dias.
Não se movem cata-ventos no céu deste Maio, pensa
Irene Fogaça ajeitando o rabo no banco.
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Tinha perguntado na merceeira:
– Dona Lurdes, sabe se há excursão? e mencionou o
local de culto.
E a outra a cortar umas tiras de fiambre:
– Há, sim, mas parece que o autocarro está lotado.
E Irene Fogaça foi falar com o Bomba: este ano é ele
quem vai levar o carro, tinha dito a
Dona Lurdes já a pesar-lhe umas cebolas.
E o Bomba que sim senhora, que podia ir, que havia um
lugar vago: o lugar da Cremilde que está internada das varizes.
E foi assim que Irene veio por ali abaixo a cumprir o
que tinha prometido num dia de maior comichão.
– Um tempo dos diabos, murmura ela como se balbuciasse
palavras de orações.
1 comentário:
Adoro como te "entranhas" nas tuas descrições.
Beijos
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