deixo
aqui o copy past de um texto
que em tempos publiquei na
SAMIZDAT
ao lê-lo hoje comoveu-me
como se
aquele meu eu fosse outro
Sem ruído, caminho, pé ante pé na bordinha do
meu olho esquerdo
E nem estou chorando, que não é lágrima: aquele verde
é tinta de eu ter estado a enfeitar-me.
E desço, a ver se o contraforte do sapato surte aquele
efeito que vi no cadeirão do sapateiro:
– Pode mostrar-me daqueles costurados?
E o homem deu-me um par: verniz encarnado com
muitos buraquinhos.
Sobram deles o meu dedo mindinho.
Uma gota verde a deslizar como se fosse lágrima e eu a
caminhar no bordo, um pé a seguir ao outro.
– Olha!
Espanto-me e torno:
– Olha como fico bem de saltos altos!
E dizendo isto, distraio-me.
Deslizo pelo rosto e grito:
– Olha como choro!
O contraforte preso entre dois dedinhos, e eu a
descalçar-me para que não magoe o olho por onde caminho, devagarinho, sem outro
destino que não seja, entendo, mas sem muita certeza.
Irei apenas na sombra dos meus cílios sem que seja
para ir para onde.
No meu olho direito, eu estou dormindo e sonho com
cavalos e um corso de carnaval com dois palhaços.
Que a minha vista deste lado, é dada a visões:
poços e princesas e sapos e muita gordura em poções de bruxedos…
Nunca é assim no olho esquerdo que só adormece quando
cantam os galos.
Eu que me sento na bordinha, com os dois sapatos
dependurados do mindinho.
Se me acontece adormecer um olho sem que o outro
acorde, costumo ter sonhos dos dois olhos.
Quando se dá, fico-me enroscadinha no verde da
minha íris como colcha que me cubra.
É só então que calço o meu par de sapatos e ando de
saltos muito altos, muito encarnados.
Ando, então, por muito lado e não apenas na bordinha
do meu olho enfeitado de verde.
2 comentários:
Tão delicadinho e lindinho:)
Beijos
Todos temos "uns sapatos encarnados". Um texto introspectivo.
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