este texto foi escrito para o concurso em literatura decamara
não deixe de ler lá uma coisa linda e de belíssima literatuta
é só correr a página
é a crónica dois AS CONCHINHAS DE OUED DJEBBANA
do Dênis Reis
No nosso mundo de correria e globalidade, que a tecnologia assoberbou de misteres e mistérios, se um meu Antepassado voltasse, se ele viesse passar uma tarde, uns dias, por estes lados, imagino e falo-lhe e imagino de novo o que seria; e dirijo-me a ele como se me dirigisse a qualquer um dos muitos antes de ter começado o século vinte. Que me guarde ele desta missão que seria ficar seu cicerone, mas ainda assim eu imagino-me dizendo:
- Não temais pela sanidade deste povo: somos simplesmente quem vos herdou. Nada mais que o vosso futuro.
E acresceria, para que fosse entendendo, ou porque, tanto quanto ele, eu estava temeroso do que veria através de seus olhos.
- Somos os netos e filhos dos seus filhos e netos de seus netos: do que ousou o sonho sentado nas galeras, preso nas grilhetas ou escrevendo com elegantes penas em praias ignotas: que o céu não tem preso em si estrelas como se fora bordado, mas é um vazio imenso onde as estrelas estão dependuradas a par de planetas e buracos negros e galáxias vivendo um ciclo para a morte tal e qual o homem. Um imenso campo de forças é onde nos somos uns e outros.
E penso que se ele viesse com a forma e o conhecimento com que um dia se foi, de doença, do coice de um cavalo, de um disparo ou de um mau parto; ou apenas pela degradação do tempo, ficaria pasmado e temeroso fosse de ver gentes falando sem interlocutor ou sons sendo emitidos sem que visse pessoa ou o dinheiro, em notas outras que não as do seu tempo, ainda assim reconhecível como o que compra quase tudo, e nos olhos dos homens que o buscam: esse dinheiro a sair em buracos na parede, que faria legítimo o seu alvoroço e o seu espanto, quer ele tivesse vindo dos primórdios da revolução do carvão e dos barcos movidos a vapor (e era já um espanto para os vossos avós esse fazer-se o ar quente motor que não precisasse de braços de criado ou escravo ou alimária) ou do fulgor das campanhas de Bonaparte. Oiço-me a dizer-lhe:
- Que vos espanteis do desconhecido, mas não digais de loucos os que vieram depois que vós vos fostes, que cada uma dessas incomensuráveis, inimagináveis coisas, que transtornam vosso sentir de homem de outros tempos, estava já inscrita em cada um dos vossos sonhos.
Mas estou em crer que não lhe evitaria um esgar, que não o poderia impedir de entender como loucura que andassem os homens vestidos deste e de um outro modo e até sem roupa alguma e, mais do que isso, lhe haveria de ser estranho o ruído e o movimento de uma a outra parte e os carros, tantos carros, e as luzes que o deixariam tonto. Como não evitaria que ele tivesse um asco puro ao ver chamar tomate e atum e porco ao que é enlatado. E dar-se-ia igual o seu mal-estar de ver frutas de épocas diversas ao monte como se fora roupa em mercado, sem vento nem temperatura natural. Muito o desgostaria que fosse Verão em meses de ser o pico do Inverno, que se dessem por desapreciadas as estações do ano e desreguladas as colheitas.
Mas creio que ele, logo que lhe fosse dado esconjurar o medo, acometeria na rádio, na televisão e no telefone, seu humor de antanho como o faria na internet. E para isso, o levaria eu, de manso, passo a passo, a ver de cada coisa o encanto, mais que o susto que sempre se gera no homem face ao desconhecido.
Haveria, é um facto, de encontrar estranha toda a novidade. É evidente que ficaria desassossegado. Mas, sobretudo, lhe seria incongruente a pressa, a correria de vida, de cada ser humano. E sei que o veria a implorar aos céus que acalmasse o seu irmão descendente acometido do pecado de querer controlar o tempo.
Sabedor do silêncio e da serenidade dos espaços que viveu aqui na Terra, sei que haveria de pedir ao deus a quem tantas vezes pediu a graça de uma ajuda, quando aflito, que o salvasse desta grande provação de ver o homem, que lhe parece em tudo ainda um semelhante, alienado num correr atrás do tempo. Ele habituado à calma do raciocínio lento, estou em crer que haveria de alijar o espanto e o temor da novidade e evocar a dimensão do erro que grassa a sua pós-humanidade.
Cada peça, cada invenção da técnica, do telemóvel, com cada vez maiores capacidades, ao computador, ao GPS que nos guia e controla, da cidade grande, ao mais recôndito desta Terra tornada planetária, seria vista como insanidade ou sonho, pois que ele ficaria entre um e outro meditando enquanto os olhos, que se haviam habituado à incomensurabilidade do Universo, saltitariam curiosos nas páginas de livros ou pelas telas da internet, perguntando: que é isso? e aquilo veio de onde? como? porquê?
Como se fora criança o meu Antepassado.
Sentar-nos-íamos, e eu esclareceria no reduto paupérrimo do meu desconhecimento da causa de quase tudo. Haveria de falar-lhe da imensa ousadia de Copérnico e de Newton com as leis do Universo a mostrarem como se ligam de igual modo planetas e sóis e estrelas e a bola que cada um de nós jogara ao vidro da janela. Falar-lhe-ia de átomos e electrões e sei que o faria chorar quando dissesse que o homem que busca o como e onde do início dos mundos em vastos ciclotrões, é da mesma geração de sábios que arrasaram cidades com a cisão do átomo.
Sossegar-nos-íamos andando na margem de um rio e falando com os homens da poesia e do romance, ouvindo-lhes canções em tudo semelhantes ao que um dia terá cantado cada Antepassado. Alijaríamos a pressa com os sonhadores do meu presente.
E, depois de percorrermos a cidade grande, depois de cada novidade lhe ser apresentada, ou nem todas, mas as suficientes para que sentisse o temor, e a grandeza, pois que tudo é relativo e necessita que descrevamos o referente. Depois que se apercebesse o que foi o futuro, com o saber que se lhe adviria de ter vivido, sereno, cada um dos minutos de cozer o pão ou esperar um filho, haveria de dizer-me do cuidado para que do sonho não resulte pesadelo. E eu haveria de escutá-lo. Calmamente.
12 comentários:
Fantástico!! Adorei ler-te...mais uma vez! Beijos.
Escritora, excelente.
Por acaso também já é algo que pensei, mas tu escreveste muito bem:)
Beijos
Hei-de responder, Maria. Um dia, que hoje estou cheia de sono, seria um discurso um bocado incoerente
Registrando minha presença aqui, embevecida com a beleza de teus textos.
Abraço do tamanho do universo.
Registrando minha presença aqui, embevecida com a beleza de teus textos.
Abraço do tamanho do universo.
Cara, corrige a gralha que fere a vista.
Brilhante.
Estava à espera de já encontrar um texto sobre a problemática do creme nas costas... Excelente companhia ontem. Beijos.
Fatima,
Que belo texto!
estou participando de voi de coletivo,sentei sem pressa na janelinha e encontrei essa beleza!
Parabéns,sucesso amada
Boas energias e sorte
Mari
Também estou participando da Blogagem Coletiva... vi o seu link e vim conhecer o seu espaço.
Ao chegar e ler as suas palavras, percebi como é rica essa blogsfera.
Um beijo carinhoso
Fiquei encantada com este seu texto e mais ainda por eu ter escrito no meu blog sobre "A cidade virtual".
Este seu texto diz mais ou menos o que eu há muito pensava escrever sobre o assunto e que nunca seria tão bom como o seu.
Por ele parabéns.
Maria
E pedindo-lhe desculpa do abuso venho pedir-lhe autorização para fazer uma hiperligação, com todos os seus créditos, deste seu texto, no meu blog.
Aguardo
Maria
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