Caminhava ondulando a anca.
Carregava-lhe a cesta na cabeça enluvada da sogra que fizera num correr enquanto desmamava o filho e a panela ainda não fervia os ossos e o pedaço de toucinho em jeito de jantar.
Saber disso ele nem sabia.
Olhava o troço apertado de panos encardidos: restos de puídas camisolas e um rosa muito desbotado de uma saia que lhe deram num Natal. A saia com que fizera outras apanhas daquele fruto dependurado num verde quase rasteiro que sempre lhe cheirara mal; um fruto que pedia múltiplos esforços de mãos torcendo-o de cuidados não fossem esventrar os vermelhos e escorrer, de suco e bagas miúdas, braços e cotovelos.
A saia rosa com um folho a tocar os joelhos, franzida na cintura. Tão franzida a saia, que tinha sido uma saia rodada o pano rosa que trazia agora apertado na sogra enquanto deslizava a anca equilibrando a canasta.
Não o sabia. Nem se sabíam ali e nem que um dia caminhariam um adiante do outro sem sogra na cabeça e sem aquela cesta encimando-a, sobrando dela uma meia-lua muito vermelha que furava o azul do céu que era de doer os olhos quando olhava esse contraste que era o carrego dela e o céu que sempre queimava nesses dias em que os frutos vermelhos se espalhavam na planura e amadureciam a um tempo .
Um dia caminharíam um atrás do outro num outro carreiro entre fileiras de outros arbustos que não seriam tomateiros prenhes; de igual, sob um céu que estoirava em azul e doirava uma outra planície semelhando esta onde hoje caminhavam de cestas empinadas.
Hoje apenas via que era roliça a sua anca a uma hora ainda distante daquela que trás o sol escondido no único socalco que se avista na planície.
Olhava-a lento, muito lento. Era um olhar como se balbuciasse.Um cansaço.
E despejaram-se cestas. E os frutos rijos embateram uns nos outros em uma manta de cor. Mas não via cada um dos dois mais do que o descarrego: não se podem ver as cores e pensar as durezas de fruto como se fossem pernas se entrecruzando em leitos de amor, se o pensar anda lento: fica só pensamento para a cesta esvaziada, para o poder-se, num curto entretanto, deixar que o pescoço se solte num olhar torcido sobre o em redor para além do carreiro onde meneava a anca dela e a sogra e a cesta sem a meia lua do vermelho do fruto.
Olhar um instante a planura para além dos tomateiros é olhar muito longe. É ver além dos corpos debruçados. É olhar até ao monte quase a sumir-se em branco e azul forte no redondo do horizonte. É deixar que se pergunte como em menino: porque será tudo redondo quando a gente olha a planície? E um dia perguntaria, mas não ainda hoje: porque tanta terra e só um monte?
Um olhar num pestanejar, num rodar do pescoço: a casa grande, branca da cal deixada pelas mulheres que fazem os caiados: as cabeças delas cobertas de lenços pretos; sempre lenços e vestes nessa cor que retém o calor de Agosto: porque sempre essa cor nelas que caiam à cadência da música que entoam, a mesma do embalo do filho ou quando retalham carnes na morte festejada do porco. Porquê de negro o vestir das mulheres?
Perguntas de um futuro. Perguntas que faria um dia, como saber porque proibem as mulheres, as que caiam de branco e de cores debruando, que as suas filhas se delonguem com ela a da anca roliça com a sogra esgueirando-se entre o lenço que lhe tapa o loiro do cabelo e a cesta repleta de tomate. Ela vinda de longe para não deixar que se amoleça, maduro, o fruto vermelho, na rama verde de folha recortada e grossa.
Perguntas para mais tarde.
Ela responderá. Ainda não o sabem hoje.
Ela que lhe mira o perfil, o corpo balançado entre muitos corpos ensonados no atrelado do tractor, ainda o sol era apenas um laivo de amarelo no horizonte.
Lá longe rebrilha de branco a casa grande encimada de um encarnado de sangue: telha vermelha que mal seria se soubera hoje que era mesmo sangue: ainda não o sabia.
Nenhum dos dois sabia hoje, quando ele mira a anca roliça da moça e a sogra feita de um pano rosa que foi uma saia de roda muito franzida na cintura.
5 comentários:
Olá!
Olha já coloquei o teu prémio no meu blog.
Um abraço.
Interessante a escolha deste fruto para o começo de uma paixão (? :) ), quem sabe se como o fruto, não amaducerá em amor. Entre a cesta e o tractor (rimou!)
Fui, rolando as ancas :) de satisfação por ter um tempinho para pôr as minhas leituras preferidas em dia. Beijo meu
trimmm, trimmmmmmm, trimmmmmmmm
Não responde... eu deixo recado:
Olá princesa daqui a menina da trança, podes procurar os números coloridos no meu blogue? tens lá uma encomenda para levantar :)
Beijos
Escritora, está magnífico!:)
Beijos
Que apanha ritmada de rosa, vermelho e o ondular de uma anca mais a sogra-rosa de um pano.
Como sempre Excelente.
Bj.
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